No começo deste ano irrompeu em vários canais online uma discussão sobre os rumos da música e a posição do artista, potencializada por conta de uma carta-manifesto de João Parahyba, percussionista do Trio Mocotó, (leia online no Scream & Yell). Este debate já vem sendo desenvolvido há um bom tempo com certa profundidade e mais uma vez parece querer uma palavra final. Nomes como Lúcio Maia e Romulo Froés, entre muitos outros, além de se inserirem nos vários e diferentes caminhos propostos, tem se posicionado a respeito, muito embora nem de perto tenha-se conseguido enxergar conclusão. Aqui, deixamos uma contribuição ao tema, que também viemos abordando desde longa data, pensando em expandir a discussão não apenas aos diretamente envolvidos mas a todo ouvinte da música, porque este também precisa entender estes aspectos.
Hoje não é difícil enxergar uma cisão entre o remanescente da antiga indústria da música, que faz uso dos aparatos da grande mídia e por conta disso atinge as massas, e o novo independente, que se propaga online com recursos próprios, atingindo outra gama de público com valores por vezes distintos daquele grande corpo consumidor. Este público menor tem grande conhecimento destas movimentações e escolhas, justamente pela grande inserção desta discussão nos canais online e promulgada pelas próprias bandas e músicos.
A FRUIÇÃO VS. O CONSUMO DA ARTE
Neste embate parece existir uma carência em observar os processos que desarolam aos dois lados na produção musical corrente. De uma parte temos o artista, com uma proposição que parte do fazer arte e ter aí fruição dela, enquanto de outra parte há a produção da arte e seu consumo. A falta desta compreensão por sua vez estende-se ao grande público.
Este processo dualista é ainda mais acirrado dentro da música, veículo que ainda está sendo explorado tanto por um lado, o da arte, quanto por outro, o do mercado. Sendo a música uma linguagem espetacular, figurando mesmo como a maior realização que o homem é capaz de produzir, acaba sendo também um formato extremamente rentável, tamanha é a admiração do homem por esta manifestação. Invariavelmente estas relações e processos são sintetizados no pensamento pós-modernista.
De maneira semelhante se dá com o cinema. Contudo, arte muito mais recente, ela já nasce voltada ao mercado, com tentativas mínimas, embora relevantes, de se desprender. Na música, todavia existindo grande resistência a esta nova acepção, a massiva maioria dos trabalhos segue este caminho.
A questão mercadológica parecia dividir a arte independente daquela promovida pela grande indústria do entretenimento. Contudo, acontece mais recentemente a subverssão desta acepção quando o próprio independente se aproxima de uma ideologia produtivista.
INDEPENDÊNCIA DO MERCADO OU INDÚSTRIA ALTERNATIVA?
Muito embora desde sempre tenha havido uma organização bastante interessante para que a arte independente se sustentasse alheia ao mercado, hoje a música independente se expande a ponto de precisar do mercado para sobreexistir. Por conta dos próprios mecanismos de globalização que alavancam o sistema, este então surgido mercado independente toma proporções nacionais em diversas localidades, incluindo o Brasil, e chega mesmo a extravazar territórios, fazendo-se presente em todo canto. Senão diretamente levando artistas e músicos a todo lugar, agora ao menos a informação e a produção artística podem ser levadas a todo o mundo.
Isto foi possível porque ao invés de ir competir com o grande mercado criou-se uma alternativa, formando um setor próprio, o mercado independente, com seu próprio público, seu próprio consumidor, seu próprio nicho. Um mercado que permite a divulgação, pode vir a garantir o sustento dos artistas e músicos e provavelmente também permitir seu o sucesso.
E permitir também extrapolar para o grande mercado. Muito se fala que o mercado da música independente é nada mais nada menos que um mercado de acesso ao primeiro escalão. Também se fala que é possível tornar o mercado independente o grande mercado, fazer do independente a principal via de consumo, senão única. Sintetiza-se grosseiramente o debate sobre os caminhos da música nestas duas profetizações.
Mas é difícil antever que virá a acontecer. Sair de pequeno mercado conquistado, conseguir mais público, embora seja um caminho árduo, não é impossível. E isto torna-se objetivo mais dia menos dia, sobremaneira nesta sociedade que forma empreendedores, em que todo mundo se impõe metas adotando estratégias de publicidade e capitalização. Estratégias e metas de quê? Estratégias de mercado.
Este é o objetivo? Para alguns sim, para alguns não, justamente por conta da discussão mais ideológica sobre como se encara a inserção da arte no mercado, como se encara a popularização e quanto isto interfere diretamente na produção da arte em si, em especial no nosso exemplo maior, a música.
O SUCESSO DO ARTISTA E O PÚBLICO COM VISÃO CRÍTICA
Questionar se o artista, o músico, quer fazer sucesso ou não é estaparfúdio. Que é o sucesso? É ter suas idéias conhecidas. Sua palavra lida, sua imagem vista, sua música ouvida. E isto porque arte é fazer, de maneira única, uso de uma linguagem e conseqüentemente, ser capaz de comunicar. O artista é o sujeito que dá vazão a seus pensamentos por esta linguagem, aquele que quer tornar esta produção pública, do contrário tudo estaria na gaveta da escrivaninha. Quando se propõe a isso, óbviamente o artista quer que a maior quantidade de pessoas - que intentem admirar ou compreender sua arte - seja atingida por seu trabalho e isso significa sucesso, seja ele fazendo dinheiro ou não.
E então podemos voltar a discutir a questão da arte pela arte, pela forma ou seja lá que se queira encarar e mesmo a conceituação da arte. Diz-se que aquele que escreve não pode dali tirar seus sustento ou passa a se escravizar a ponto de ferir suas convicções. Se contrastarmos a idéia pós-moderna a esta última proposição e a extendermos à arte, acaba que só se passa a produzir arte quando toma-se por profissão outra que não a do artista. O artista precisaria aqui do tal distanciamento crítico.
Entretanto, se lembramo-nos que se vive o pós-modernismo, como bem define o próprio título de um dos livros do crítico americano Fredric Jameson, o pós-modernismo é a lógica cultural do capitalismo tardio, ou seja, nossa era de artes, toda pós-moderna, é regida também pelo capital. Mas não deixa de comunicar. E então, antes de pensar que difere entre a produção independente e a produção das grandes gravadores, é mais importante escolher que se quer saber, em especial se da arte mercantilizada não se expressa a mercantilização, mas apenas a arte.
Se o apelo capitalista, invariavelmente vigente na sociedade, persiste, o ciclo torna-se ininterripto: Se tem sucesso, se consegue público, se faz dinheiro e o sucesso passa a outra significação. Em alguns casos, arte e capital caminham juntas sem a relação de exploração mútua. Mas afirma-se em cada geração se está no ápice da humanidade. Aqui temos novamente o auge do sistema. Suplantar este estágio seria revolucionar e começar nova história. Enquanto isto, que se faz? Se vive o pós-modernismo, se vive o capitalismo. Só que estas relações todas precisam ser claras a todos. Assim como se precisa ter em mente que se comunica. Pro artista, pro músico, pro ouvinte, pro público, pro consumidor. Só assim se entende os processos e tudo que acontece ao nosso redor, permitindo-nos avançar: Visão crítica.
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