Recesso Bluguístico!


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Faz um tempo que as postagens do Programa Bluga estão paradas, logo nada mais justo que comunicar o recesso oficialmente. Deixamos de escrever não porque hoje seja irrelevante falar de música e cultura, muito menos porque tenhamos de deixado de nos envolver nestes meios, mas sim por dois motivos bastante fundamentais. O primeiro e mais casual remete uma provável falta de tempo, o que derruba volta e meia muitos blogueiros. O segundo, talvez mais verdadeiro e quem sabe leve a usar o primeiro como desculpa mais fácil, diz respeito a quão interessante é continuar comunicando como vinhamos fazendo até então.

Já iamos fazendo nossos quatro anos escrevendo resenhas de shows, críticas de álbuns, comentando coisas bacanas, enfim, falando da música, das bandas, da cultura, em especial de São Carlos e do interior de São Paulo, com algumas investidas na babilônica paulicéia. Escrevemos pouco, mas escreviamos sobre o que achavamos que precisava ser levado a um público maior. Começamos universitários, frustrados da iniciativa de um programa de rádio. Arranjamos mais gente pra colaborar conosco, crescemos em vários sentidos. Abrimos recesso porque deixamos este contexto, não mais universitários, focando em outras questões, fora de São Carlos, sem pernas para continuar um bom trabalho neste momento.

Claro, cinco anos atrás qualquer sujeito que quisesse conhecer boa música precisava caçá-la online com muitos cães-farejadores. E surgiram então os blogs facilitadores desta empreitada, uns distribuindo música, outros falando dessa música. Inclusive paria-se o Programa Bluga em um momento em que diversos canais já eram estradeiros. Contudo, o cenário muito mudou. Enquanto antes a divulgação de qualquer trabalho artístico, de qualquer músico ou banda, era feita indiretamente nos canais da mídia, incluindo aí o virtual e seu mar de autores, hoje as ferramentas são muito mais diretas, o contato do artista com seu público é muito mais direto. E não só do primeiro artista, mas de seus produtores, promotores e toda sorte de envolvidos na indústria musical. Além dos blogs, há uma miríade sem número de redes sociais, movimento que minguava no MySpace, tomou outra forma no Brasil pelo Orkut e hoje destaca-se pelo Twitter e Facebook, atrelados a outras plataformas, como YouTube, BandCamp e afins.

Estas transformações são decorrência direta das próprias mudanças nos modos de produzir e consumir música. E os avanços nestas relações com o público hoje são evidenciados mesmo na grande mídia, muito bem acompanhados por todos os olhos atentos. Daí nada mais simples do que compartilhar as informações  que já estão online e que traduzem nosso pensamento hoje, pondo de lado a crise sobre como e porque continuar escrevendo sobre música.

Não obstante, como é impossível que as pessoas que passaram por aqui tenham deixado de ouvir boa música, nas suas mais diversas ascepções, nesse meio tempo em que o blog ficou quietinho elas não pararam de recomendar, espalhar e falar de música. E provavelmente não vão parar, então, se o leitor quiser dar uma olhada no que é que os sujeitos que começaram a paradam e que vão dar um tempo estão falando, é só dar uma olhadela nas páginas do Facebook dos caras.

E pra quem quiser saber quando vamos voltar, se vamos largar alguma material no meio do caminho e essas coisas, bom, curtam nossa página no Facebook. Com certeza vamos nos comunicar primeiro por lá enquanto for a rede social mais relevante e o povo ainda usar dessas. Quem sabe o recesso seja curto, quem sabe longo, quem sabe definitivo. O que acontecer na música doravante é que vai ditar. Esperemos o melhor!

Abraços,

Programa Bluga, que é Felipe Adachi, Marcelo Toyama, Rodrigo Adachi, Vanderlei Reis e mais uma pá de gentes.

Stranhos Azuis lança seu primeiro clipe: Terceiro Mundo

A Coordenadoria de Artes e Cultura de São Carlos lançou este ano o 1º Chamamento Público de Apoio a Projetos de Gravação de Videoclipe do município. Os selecionados, anunciados em Abril, terão oportunidade de desenvolver em parceria com a TVE São Carlos seus clipes, e o primeiro já foi lançado. Terceiro Mundo foi música escolhida pelo grupo Stranhos Azuis para seu primeiro videoclipe.

Formado em 2006 por Luciano Matuck, Danilo Zanite e Daniel Gordin, a banda trabalha com composições autorais e pretende lançar um álbum cheio no início de 2012.


Mais videoclipes de bandas são-carlenses estão por vir. Freon, Ponto 50, The Dead Rocks e Johnny Blade são as outras bandas selecionadas engatilhando seu clipes, que devem ser lançados no programa Rock Público da TVE São Carlos.

Chinese Cookie Poets em fotos!

Há duas semanas o Chinese Cookie Poets fez sua passagem por São Carlos, ao lado do projeto Sin Ayuda. Tiveram participação no programa Independência ou Marte, na Rádio UFSCar, falando um pouco sobre seu projeto e sua trajetória, também deixando o registro de seus trabalhos em sessão ao vivo nos estúdios - é possível ouvir e baixar o programa na íntegra aqui. E, como não poderia deixar de ser, aportaram no palco aberto do DCE UFSCar no dia 20 de  Setembro, como anunciamos aqui



Daquela noite, deixamos de fazer nossa costumeira resenha, mas publicamos impressões fotográficas, bastante expressivas, que só não falam mais que a música destes poetas milenares. Todavia, de rápidas palavras podemos dizer que é um dos projetos mais originais no país, falando de free jazz e experimentalismos Avant-guard, beirando o R.I.O. Pareiam-se a trampos como o PigSoul e Satanique Samba Trio. Chinese Cookie Poets é um trabalho incrível que o mundo precisa conhecer. E se só tem essa sorte quebrando o biscoito.

 




Mais fotos dessa e outras noites podem ser vistas nos nossos álbuns no Picasa!


FEIA Do(u)ze

Já em sua XII edição o Festival do Instituto de Artes da UNICAMP começou no sábado passado, tomando diversos espaços do Instituto, da Universidade e da própria comunidade de Barão Geraldo, distrito de Campinas onde está encravada a UNICAMP. Com extensa programação que envolve apresentações de música, teatro e dança, o FEIA conta também com exposições de artes visuais e uma série de oficinas. Grupos de São Carlos e região, como Os Rélpis e Aos Maníacos Símeis já tomaram parte na excelente programação, que alavanca muitas iniciativas no meio.



Além das apresentações e oficinas, o FEIA promove um fórum de debates e palestras. E é justamente neste ciclo que teremos uma participação hoje, falando sobre Produção Cultural Universitária acompanhados de Ricardo Rodrigues, camarada também de São Carlos, diretor da sempre presente Rádio UFSCar e do Festival Contato, além de PC Belchior, nome forte de festivais e coletivos em Minas Gerais.

O debate acontece às 14 horas no Auditório de Pós-Graduação do Instituto de Artes e o festival continua até o próximo domingo. É possível ver a programação completa no site do FEIA.

Chinese Cookie Poets e Sin Ayuda em São Carlos


Semanas atrás duas bandas das mais bacanas do último ano anunciaram turnês rodando capital e interior de São Paulo. Aportando pela primeira vez pelo estado, direto do Rio de Janeiro, Chinese Cookie Poets faria São Paulo, São Carlos e Bauru. Sin Ayuda, vindos lá do Vale do Paraíba, fariam São Paulo, Sorocaba e São Carlos. Detalhe, as duas, em São Carlos, no mesmo dia!


 

E assim surgia mais um dos palquinhos malucos na UFSCar, eventos nascidos da urgência louca de colocar as bandas que transitavam pela região nos palcos para o público são-carlense. Tocada pelo Aparelho Coletivo, recém inaugurado ponto Fora do Eixo de linguagem musical, essa será uma Noite Fora do Eixo que tem tudo para ser uma das melhores do ano.



Afinal, são dois grupos interessantíssimos, já falavamos no nome deles quando apontavamos quem seria legal pro Contato trazer este ano. Chinese Cookie Poets, trio instrumental, guitarra, baixo e bateria, faz música que foge do mais convencional, brincando com a colagem de estilos, do free jazz ao noise. Seu primeiro EP é um homônimo lançado em 2010, embasbacante. Seu segundo EP, Dragonfly Catchers and Yellow Dog, recentemente lançado, é uma fantástica mostra de seu poder ao vivo. Enquanto isso o Sin Ayuda também acabava de lançar material, um disco cheio, Noise Reminders. Banda com integrantes de várias outras bandas bacanas, só podia ser um projeto fodido. Como bem nos fala o nome do álbum, lembram o ouvinte do barulho das guitarras em meio a passagens de um violão folk. Imperdível! Mesmo.

Ah, e de quebra nessa vinda os caras do Chinese Cookie Poets aportam pelos estúdios da Rádio UFSCar e se apresentam ao vivo no programa Independência ou Marte desta semana. Fiquem ligados, às 22h desta Segunda!



Palquinho Maluco 

Sin Ayuda (Taubaté)
Chinese Cookie Poets (Rio de Janeiro)
Sessão DF5

Data: Terça-Feira, 20 de Setembro de 2011, às 22h
Local: Palco do DCE-UFSCar, UFSCar, São Carlos, SP.
Realização: Aparelho Coletivo e Circuito Fora do Eixo
Entrada livre e gratuita


FUSCA 2011

São Carlos realiza novamente seu FUSCA, o Festival Universitário São Carlos Alternativo, nesta semana, de 15 à 17 de Setembro. A edição desde ano terá novamente três dias de música, passando por diversos ritmos, valorizando desde os nomes de São Carlos até atrações do Chile.


Contrapondo as festas que acompanham a disputa pela TUSCA (Taça Universitária de São Carlos), o FUSCA já é mais esperado por alguns que a própria programação oficial. Com divulgação forte pelos meios eletrônicos, com evento no Facebook com mais de 1.500 presenças confirmadas e subindo, o festival deixa os cartazes em preto e branco das edições anteriores para ganhar cores.

Mas não só ganha cores como passa a ter outras mãos trabalhando por ele. Tracionalmente organizado pelas entidades de representação estudantil das duas universidades da cidade, neste ano toma parte no festival apenas o CAASO (Centro Acadêmico Armando de Salles Oliveira), já que o DCE UFSCar está desarticulado. Contudo, o FUSCA se estabelece como um dos grandes festivais da cidade passando também a ter apoio do Aparelho Coletivo, ponto de linguagem do Fora do Eixo em São Carlos

E também recebe atrações pelo Contato, festival multimídia colaborativo, com a chilena Anita Tijoux. Com a nova escolha de datas do festival, Novembro, e a rapper confirmada desde Março para a data, era natural incorporá-la ao FUSCA.

Enquanto a TUSCA é organizada pelas associações atléticas da USP de São Carlos e da UFSCar com programação paga e focada no público universitário, o FUSCA tem suas noites gratuitas e abertas a toda população. E parece que será grande!


5º FUSCA

DIA SANCA VIBE
Data: Quinta, 15 de Setembro
Horário: 21h
Local: CAASO, USP São Carlos
Criatua
Malditas Ovelhas!
Drag Me To Hell
Gagged
Hipnos

DIA BLACK
Data: Sexta-Feira, 16 de Setembro
Horário: 21h
Local: DCE-UFSCar
Ganja Groove
Sub Loco
DJ Caixa Preta
Anita Tijoux


DIA DO SAMBA AO ROCK
Data: Sábado, 17 de Setembro
Horário: 18h
Local: CAASO, USP São Carlos
Contos de Réis
Dj Serra Leoa
Quizumba 
Discotecagem Scratch Monkeys
Bexigão de Pedra 
Namorada Belga


Realização:
CAASO
Festival Contato
Aparelho Coletivo
Fora do Eixo
Rádio Capivara

Apoio:
Grupo de Som do CAASO
Rádio UFSCar
CAPe - UFSCar

Uma utopia para a Música na utopia de Skinner


Ao invés de responder a pergunta sobre qual a condição ideal para o artista criar sua arte, deixemos um excerto do livro Walden II, do behaviorista estadunidente Burrhus Frederic Skinner, que nos fala sobre como fruem as artes na sociedade utópica homônima ao título.

No trecho em questão, extraído da tradução brasileira de 1972 de Moreno e Saraiva, Frazier, o personagem idealizador da sociedade de Walden II,  discute com Burris, um dos convidados que vem até a comunidade conhecê-la, sobre como o público encara as artes ali e com que facilidade elas são produzidas, evocando uma era de ouro.



No corredor próximo ao refeitório, havia um quadro com avisos dispostos como programas radiofônicos em jornais. Na margem esquerda, estavam impressas as horas do dia e, na margem horizontal superior, os nomes de dependências de Walden II, tais como "Teatro", "Estúdio Três", "Gramado", "Sala de Música", "Entrada Oeste", "Sala Inglesa" e "Sala Amarela de Jogos". Avisos de reuniões, festas, concertos, competições esportivas etc, eram pregados com clips em seus locais apropriados. Alguns dos quais me lembro, não totalmente compreensíveis para mim, diziam: "Hedda Gabler", "Grupo do Curran", "Sinfonia de Boston", "Viagem de Caminhão para Cantão", "Baile dos Jovens", "AGL", "Grupo Novo", "Tap", e "Código Walden". Enquanto Castle e eu esperávamos nosso grupo para jantar, corri os olhos pela coluna de "Teatro" até "20,00 horas". A notícia lida: "Bach (Grupo da Sra. Fergus). Três corais de Missa em Si Menor. 50 minutos". 

Frazier surgiu de um dos saguões. 

— Encontrou algo de seu interesse? disse ele. Oh, vejo que você localizou nosso concerto. 

— Realmente, há muita coisa ocorrendo, disse eu, indicando o quadro de avisos com um amplo gesto de mão. 

— Há, invariavelmente, muito mais do que você poderá perceber até que se acostume a pequenos impressos. Você deverá sentir uma certa falta de excitação nesses anúncios. Nenhum pomposo, nada de luzes brilhantes, nada de adornos com os quais a indústria do entretenimento arrebata um público saturado. Mas, um dia, estas simples notícias evocarão toda a excitação de marquise cintilante. Quando não há letreiros de 10 polegadas de altura, 5 polegadas servirão. Quando não há de 5 polegadas, 1 polegada será suficiente. Não é a cor, brilho ou tamanho de um cartaz que o torna excitante. É a experiência que acompanhou cartazes semelhantes no passado. A excitação é um reflexo condicionado. Nosso quadro de avisos é nosso Grande Caminho Puro, e estamos maravilhados com ele. 

Frazier examinou a notícia do concerto. 

— Cinqüenta minutos, leu. Bastante longo. 

— Seus concertos são normalmente tão breves? 

— Normalmente. Não há sentido num longo concerto — não aqui, de qualquer forma. 

— Que diferença faz, aqui ou alhures? 

— Na cidade, um concerto de cinqüenta minutos seria impossível. Ninguém acharia que vale o seu dinheiro. 

— Se os assentos forem muito bons... 

— Meu caro colega, o preço da entrada é somente uma pequena parte do que se paga num concerto. Pense na locomoção, o tempo consumido, freqüentemente com mau tempo também. Suponha que um estranho lhe peça para ir ao auditório de um concerto para apanhar um pacote para ele — quanto você gastará? Se a gente tiver todos esses incômodos, nenhum concerto de menos de duas ou três horas satisfará. Mas existem somente algumas poucas obras de importância que requerem mais de quarenta e cinco minutos. Algumas óperas, são boas de ouvir de uma só vez, assim como a Nona. 

— E a Missa em Si Menor, disse eu. 

— E eventualmente ouvi-la-emos de uma só vez, dependendo de Fergy. Apesar disso, que mais vocês gostariam de ouvir que durasse, digamos, mais de uma hora? 

Isto atingiu-me como um exemplo particularmente duro de filisteísmo. 

— Que há de errado com um programa cuidadosamente elaborado? Um pouco variado. O contraste entre estilo e humores. 

— Você pensa que Beethoven escreveu a Quinta para ser tocado em seguida à Til Eulenspiegel? 

— Não, mas após qualquer coisa, imagino. 

— Somente porque ele tinha o mesmo aborrecimento com sua audiência, então. Não, uma peça musical é uma experiência para ser desfrutada em si. E somos livres para fazer justamente isso. 

Vi Steve e Mary vindo pelo corredor com diversos jovens que eu vira na oficina de confecção de vestidos naquela tarde. Um deles aproximou-se de Frazier. 

— Você se incomodaria se nos apropriássemos de seus amigos esta noite? Eles não querem ouvir a Missa. 

— Como sabem? disse Frazier, franzindo a testa para Steve e Mary. Alguma vez a ouviram? 

— Não mas não é essa a questão. Vamos dançar. 

Percebi o olhar de Mary. Ela levantou as sobrancelhas perguntando se estava bom, e eu assenti. 

— Para a ceia, então? — disse Frazier. 

— Se você não se incomoda. 

Frazier dispensou-os um pouco impacientemente com um gesto de mão, e eles entraram na sala de jantar. Agora, surgiram Rodge e Bárbara, andando em silêncio em nossa direção. Rodge permitiu que as saudações expansivas de Bárbara servissem por ambos e fomos para a ceia. 

— De uma forma ou outra, — disse Frazier quando encontramos uma mesa na sala sueca, — vocês evitaram a pergunta mais ingênua de todos os nossos visitantes: "Se vocês não trabalharem, o que farão com todo seu tempo?" Congratulo-os. Estou deliciado. 

— Ao contrário, disse Castle. Você esteve esperando por essa questão e está inteiramente desapontado porque não ocorreu. Eu o testarei. Perdoe-me por ser ingênuo, mas o que você faz com todo seu tempo? 

— Se eu tivesse um plano, seria um erro colocar a questão justamente agora. Nem mesmo estou preparado. Quando tivermos uma chance para discutirmos a administração psicológica de uma comunidade, poderei mostrar quão ridícula é. Mas você pergunta seriamente? 

— Muito seriamente. 

— Mas que diz da evidência frente aos seus olhos? Veja nosso quadro de avisos. 

— Não estou tão seguro que seja evidente, disse Castle. "Algo sendo feito a cada minuto" pode ser um gesto de desespero — ou o apogeu da batalha contra o tédio. 

— Bravo! — gritou Frazier. — Sr. Castle, você deveria ser o psicólogo, o Burris aqui, o filósofo. Poderia muito bem ser o "apogeu da batalha contra o tédio". Uma figura magnificente. Mas vamos falar de tédio em outra hora. Eu simplesmente desejava mostrar um aspecto de Walden II que vocês não devem esquecer ao julgar-nos. Quero dizer, nosso amparo às artes. Esta não é uma época notável nem na arte nem na música. Por que não? Porque nossa civilização não pode produzir arte tão abundantemente como produz ciência e tecnologia. Obviamente, porque estão faltando as condições adequadas. É aqui que entra Walden II. Aqui, as condições adequadas podem ser alcançadas. 

— O que sabemos realmente sobre essas condições? — perguntei, um pouco fora de mim por ter sido chamado filósofo. 

— Não muito, eu lhe concedo, mas o suficiente. O ócio, por exemplo. Uma classe próspera que proporcione ócio para o artista é característica de uma época notável. Os artistas não são preguiçosos, mas devem estar razoavelmente livres da responsabilidade de ganhar a subsistência. Não é essa a verdadeira essência da arte que lhe provê as energias e talentos que, num mundo mais exigente, orientam-se para ganhar a vida? 

— Posso mostrar-lhe algumas exceções, disse eu. Artistas que trabalharam duro, além de sua arte. 

— Mas a regra permanece, disse Frazier dogmaticamente. Quando artistas e compositores não estão amparados, geralmente conseguem um pouco de ócio tornando-se irresponsáveis. Daí sua reputação com o público. Irresponsabilidade ou segurança — o efeito momentâneo é o mesmo. Mas, a longo prazo, uma boa vida é mais produtiva. 

— Não estou tão seguro de que suas condições estejam faltando em nossa cultura, disse eu. Que diz dos prêmios e das bolsas? 

— Isso é apenas um paliativo. Você não pode encorajar a arte apenas com dinheiro. O que você precisa é uma cultura. Você precisa de uma oportunidade real para artistas jovens. A carreira deve ser economicamente sólida e socialmente aceitável, o que não será conseguido pelos prêmios. E você necessita da apreciação — deve haver audiência, não para pagar as contas, mas para gozar o espetáculo. Considerando tudo, nós realmente sabemos muito acerca do que é necessário. Devemos estimular o artista antes que tenha provado o seu valor. Uma cultura muito produtiva deve estimular grande número de jovens e de inexperientes. A filantropia não pode fazer isso. Pode produzir poucos grandes trabalhos de arte, mas é apenas um começo. Não espere uma Idade de Ouro. Frazier engoliu e continuou com muita deliberação. 

— Vocês vão se cansar de ouvir isso, disse ele, mas devo repetir constantemente. Uma Idade de Ouro, quer em arte ou música ou ciência ou paz ou fartura, está fora do alcance de nossas técnicas econômicas e governamentais. Algo pode ser feito por acidente, como ocasionalmente aconteceu no passado, mas não deliberadamente. Nesse preciso instante, um número enorme de homens inteligentes e mulheres de boa vontade estão tentando construir um mundo melhor. Mas os problemas surgem mais rapidamente do que podem ser resolvidos. Nossa civilização está fugindo como um cavalo assustado, seus flancos reluzindo de suor, suas ventas espumando; e, à medida que correm, aumentam sua velocidade e seu pânico. Como seus políticos, seus professores, seus escritores — deixem-os agitar os braços e gritar tão alto quanto quiserem. Não poderão controlar a besta furiosa. 

— O que você faz com o fujão? — disse Castle. 

— Deixá-lo correr até que caia de exaustão, — disse Frazier francamente. — Enquanto isso, vejamos o que podemos fazer com seu lindo potro. 

Ele parou de falar para limpar sua bandeja. Descobri-me calado ante esta súbita enxurrada de metáforas, como se não devesse falar enquanto não encontrasse palavras igualmente exaltadas. Frazier olhou para nós uma ou duas vezes, interrogativo, mas voltou ao seu jantar. Finalmente, pousou seu garfo e limpou a boca. 

— Tome a música, por exemplo, resumiu. Se você vive em Walden II e gosta de música, você pode se desenvolver quanto quiser. Não quero dizer poucos minutos por dia — quero dizer todo o tempo e energia que você puder dedicar à música e permanecer sadio. Se você quiser ouvir, há uma imensa discoteca e, naturalmente, muitos concertos, alguns realmente profissionais. Todos os bons programas de rádio são transmitidos pelo sistema de alto-falantes que chamamos Rede Walden, e eles são filtrados para eliminar as propagandas. 


— Se você quiser tocar, poderá aprender quase todos os instrumentos com outros membros — que obtêm créditos com isso. Se você tiver qualquer habilidade, poderá achar logo uma audiência.Vamos todos a concertos. Nunca estamos muito cansados e a noite nunca é muito fria ou muito úmida. Mesmo nossos amadores são bastante populares, se bem que, usualmente, com outros amadores — auxiliando-se uns aos outros. Há uma banda militar atroz, com repertório limitado entre Souza e Von Suppé. Mas temos excelentes conjuntos de cordas e uma pequena orquestra sinfônica muito boa. 

— Nossos corais são especialmente populares. Se você canta, pode bradar "Brennan on the Moor!" para seu próprio deleite ou lançar-se a "Gilbert and Sullivan" ou "Bach Cantata Club" e todos têm oportunidade. Os cantores são estranhamente ciumentos uns dos outros como regra geral, mas não aqui. Aqui, não há briga por umas poucas posições lucrativas e não há grande rivalidade pela aprovação do público, graças a um toque especial de engenharia cultural. 

— Pense no que isso significa para o jovem compositor! Às vezes, sua obra é tocada antes mesmo de terminada! Talvez seja terminada para ele por amigos entusiastas. E é discutida por audiências que o conhecem e que conhecem música também. Você não pode fazer idéia de quanto isso torna o homem produtivo até que o veja em ação. 

— Ultimamente, estive acompanhando um grupo de jovens compositores. Lembro-me de ter achado difícil acreditar que Schumann pudesse ter escrito três canções num dia, mas acredito agora. Está sendo feito aqui. E Lieder muito aceitáveis também, com uma boa sensação de harmonia moderna. E nossos compositores já estão explorando novos territórios. Isso é inevitável. O ritmo acelerado, sozinho, teria feito isso. E não somos retidos por padronização comercial. Nossas audiências crescem com nossos compositores. Naturalmente, desenvolveremos nosso próprio gênero. É o alvorecer — o alvorecer, pelo menos, de uma Idade de Ouro... A voz de Frazier falhou, mas ele repetiu fracamente "uma Idade de Ouro". Então, recomeçou com maior excitação. 

— Pense no efeito sobre nossas crianças! Expostas à música desde o berço — uma figura de linguagem, naturalmente, já que o berço está incluído num programa muito mais eficiente — é-lhes proporcionada a oportunidade de seguir quaisquer inclinações musicais, com excelentes e entusiásticos professores, com audiências apreciáveis e bem humoradas esperando suas primeiras realizações. Que ambiente! Como poderia qualquer embrião de habilidade musical deixar de encontrar sua mais completa expressão possível? 

— Mas uma Idade de Ouro de uma comunidade de apenas mil pessoas! — disse eu. Quantos gênios você pode esperar obter de uma variedade de genes tão limitados? 

— Isso é um trocadilho? Ou você realmente acredita que os gênios derivam dos genes? Bem, talvez seja assim. Mas quanto conseguimos fazer para aproveitar ao máximo os nossos genes? Essa é a verdadeira questão. Você possivelmente não pode me dar uma resposta, Burris, e você o sabe. Não houve, absolutamente, nenhum modo de responder a essa questão até agora, porque nunca foi possível manipular o ambiente de forma adequada. 

— Que diz das famílias e núcleos de músicos? disse eu. Não revelam que a hereditariedade foi importante? 

— Mas eles tiveram ambiente! — exclamou Frazier com um ligeiro grito. Não, a história não lhe dará a resposta. A história nunca conduziu os experimentos de forma correta. Você poderá extrair uma conclusão oposta com a mesma evidência. Onde estavam os genes antes do apogeu dos núcleos? Como surgiram juntos? E para onde irão quando a glória tiver passado? Frazier olhou repentinamente para seu relógio de pulso. 

— Chegaremos atrasados! disse ele alarmado. Recolhemos nossas bandejas e disparamos para o teatro. 

— E lembrem-se, além disso, não estamos nos especializando para a música, continuou Frazier, voltando a meio caminho para falar-nos, enquanto seguia rapidamente. Não nos especializamos em nada. Temos tempo para tudo. Poderia contar-lhes uma história similar para a pintura, escultura e meia dúzia de artes aplicadas. 

É surpreendente, disse eu. — Realmente surpreendente. Lembro-me das pinturas na Escada. Eu pretendia voltar. São todas de membros de Walden II? 

Frazier olhou para trás, inflamado de satisfação. 

— Todas elas, disse. Todas elas. Mas não é surpreendente. Por que surpreendente? Em sua excitação, ele se havia chocado com várias pessoas, e achou necessário elevar a voz, pois ficamos um pouco separados por outras pessoas que se locomoviam na mesma direção. 

— Nada de surpreendente, absolutamente! gritou. É essa a questão. Condições certas, eis tudo. Condições certas. Tudo de que se precisa. (Desculpe-me.) Tudo de que se precisa. Dê-lhes uma oportunidade, eis tudo. Lazer. Oportunidade. Apreciação. 

De repente, ele gargalhou e, numa explosão de alegria, arrebatou-se no que parecia um vôo de idéias sem sentido e maníaco. Agitando sua mão acima de sua cabeça, gritou: "Liberté! Égalité! Fraternité!" 

O coral já estava no palco quando entramos no teatro. Os músicos estavam tomando suas posições junto à ribalta, embora não houvesse nenhum poço para a orquestra. O maestro Fergy, suponho, — já estava sobre uma plataforma provisória numa nave central, dirigindo a disposição dos suportes e cadeiras dos músicos. 

O salão tornou-se silencioso quando sentamos e, nesse momento, algumas das luzes se apagaram. Eu me surpreendi fixando Fergy, que estava esfregando as sobrancelhas com um enorme lenço. Trechos de nossa conversa da ceia passaram pela minha cabeça — "gênios e genes", "égalité", "Idade de Ouro". Era a voz de Frazier, mas a minha entrou numa violenta disputa: Por que não? Por que não? 

Havia um ligeiro zunido no salão silencioso, como uma espécie de música celestial premonitória. 

O que era uma Idade de Ouro? O que a distinguia de qualquer outra? A diferença poderia ser fantasticamente ligeira. Algum matiz extra de estimulação pessoal. Tempo para pensar. Tempo para agir. Alguma ampliação trivial de oportunidade. Apreciação. Liberdade. Igualdade. Além disso, naturalmente, fraternidade. Um vôo de idéias sem sentido, na verdade! Frazier estava apenas traduzindo! 

Fergy levantou as mãos cerradas para o ar e olhou para o coral rapidamente de uma ponta a outra. 

Pensei: "Devo ler sobre a psicologia da criação artística. Era a espécie de assunto no qual eu estaria interessado. Casualmente, eu havia dado um curso no Experiência Estética. A biblioteca deveria ter algo nessa linha..." 

Senti uma rápida comoção de vergonha. Quão fantásticos se haviam tornado meus hábitos acadêmicos de pensar! "A biblioteca teria alguma coisa." Quanta diferença com o modo como Frazier o colocaria. Suspirei pesadamente. Poderia algum dia me livrar do mundo dos livros? Meus olhos doeram em vivida reminiscência e eu estava tomado de uma violenta reação, quase ânsia de vômito. Nesse momento o coro de abertura ecoou. 

— Kyrie eleison... 

Eu estava totalmente despreparado e agachei-me como se houvesse recebido um golpe físico. Meu corpo enrijeceu para receber uma ameaça imaginária e meus dedos cerraram-se sobre os braços da cadeira. 

Não posso me lembrar muito do coral. Eu estava ainda na mesma posição quando terminou e muito inseguro de mim mesmo para relaxar as mãos e juntar-me aos aplausos. Mas vi Frazier e Castle de ambos os meus lados aplaudindo energicamente — e Fergy, brilhando de prazer e orgulho, agradecendo à direita e esquerda, voltando -se para agitar as mãos juntas para o coral, num sinal de sucesso. Uma vez, quando ele se inclinou, olhou diretamente para mim, sobre os óculos, como uma espécie de gárgula ilusória e imaginei que suas palavras seriam: "Você gostou? Nossa Idade de Ouro? Sim?"