Já havíamos visto os rapazes do Projeto B durante a Virada Cultural Paulista em Piracicaba, na mesma ocasião em que Yann Tiersen passava pelo país. Contudo, apenas uma apresentação não basta para um trabalho como o desenvolvido aqui. Então, eis que a oportunidade para vê-los novamente surgiu na quinta passada, numa das mais interessantes iniciativas que já passaram pelo SESC São Carlos: A série instrumental Sem Palavras, que em Maio já havia nos trazido o também célebre Quarteto Pererê.
Com seus trabalhos iniciados ainda em 1999,o Projeto B completava em 2009 seus dez anos, fazendo seu instrumental que mescla influências do erudito contemporâneo ao jazz usando de instrumentos elétricos e bateria lado-a-lado com sopros e piano. Também em 2009 completava-se cinquenta anos da morte de Heitor Villa-Lobos, uma das principais influências do Projeto B, levando a homenagem do grupo no que seria seu trabalho último, A Viagem de Villa-Lobos. Terceiro álbum, tem não só sua turnê passando por diversos SESC por todo São Paulo, mas também sua publicaçao pelo selo SESC, que vem investindo em expressivos trabalhos de brasilidades, como outro bastante admirado por aqui, Macunaópera, de Iara Rennó.
E nesta publicação, A Viagem de Villa-Lobos é um trabalho requintadíssimo não só nos rearranjos da obra do compositor, mas também no corpo do álbum físico, com alguns dos desenhos do caderno que acompanha o álbum aqui ilustrando a postagem. Trata-se do trabalho gráfico espetacular de Manu Maltez, aquele mesmo do Manu Maltez e Grupo Cardume, que ainda estamos por ver ao vivo e onde alguns do Projeto B também incursionam .
Esta última e mais consolidada formação do Projeto B vem para nós com Yvo Ursini na guitarra elétrica, Leonardo Muniz Corrêa no sax alto e clarinete, Amilcar Rodrigues no trompete e surdinas, Henrique Alves no baixo elétrico, Vicente Falek no piano e Mauricio Caetano na bateria.
Quando propõe-se a levar Villa-Lobos mais uma vez em uma gravação, em um arranjo novo, o Projeto B preocupa-se com um dos aspectos mais importantes desta obra, explorando a urbanicidade caótica que acometia o paulistano da época. E refletir hoje este mesmo sentimento seria fácil, uma vez que os elementos permanecem, não fosse a freneticidade que se acumulou a eles. E este novo elemento é o que faz diferença no trabalho do Projeto B, que amplia as peças de Villa-Lobos compostas em sua maioria para o piano, transpondo-as para o leque de efeitos de guitarras, pianos e sopros numa inusitada dinâmica poliritmica e improvisos vários. Aí reside a revitalização da obra, não tirando seu aspecto modernista, mas alavancado-a ao pós-modernismo.
Dito isto, vamos a apresentação. Nada poderia ter sido mais icônico ao abrir com um arranjo de Bruxa (A Boneca de Pano), parte da obra que lançaria Villa-Lobos como gênio dos trópicos. Era uma arranjo de Muniz corrêa em cima da última das peças da primeira suite para piano sobre temas infantis brasileiros, a Prole do Bebê nº1.
Na sequência, Choros Nº5 "Alma Brasileira", adaptação de Yvo Ursini da peça originalmente feita apenas para clarinete e flautas, e Saudades das Selvas Brasileiras Nº1, uma ciranda composta para piano transposta aqui nos arranjos de Muniz Corrêa. Esta última reservava um solo de guitarra de Ursini e dava espaço a um solo de bateria inusitadíssimo de Maurício Caetano, que arrancou aplausos verdadeiros da platéia.
Para a próxima, trariam Le Sacre du Printemps (A Sagração da Primavera), de Ígor Stravinsky. Apesar de não constar no álbum que dá nome ao show, é um dos arranjos mais interessantes, que evidenciaria a ligação entre a obra de Stravinsky e as composições de Villa-Lobos. Daí se tira o nome do álbum de quando o brasileiro viaja a Europa e volta altamente influenciado depois de ter entrado em contato com a produção emergente de lá. E esta versão da introdução da peça justamente não está em A Viagem de Villa-Lobos porque os direitos de registro de qualquer adaptação não foram permitidos pelo próprio Stravinsky em nota póstuma, infelizmente. Contudo, ao vivo é possível apresentá-lo, para nossa graça. Quem não viu ao vivo, pode conferir ainda nesta gravação pelo Instrumental SESC Brasil:
Na sequência, dois arranjos do homem das teclas no grupo, Vicente Falek. O primeiro, em cima da peça para piano Cirandas Nº2 "A Condessa", seguido do rearranjo dos Estudos para violão Nº12 e Nº8, tocados juntos, destacando-se aí ora guitarra, ora baixo, que tem ali seu espaço para um belo solo.
Encerrariam a apresentação com mais uma arranjo de Yvo Ursini em cima da peça de Villa-Lobos para piano Choros Nº2. Encerrariam? Não exatamente. Apesar de um teatro com poucas pessoas, entusiásticos aplausos e exaltados assobios os trouxeram de volta. Apresentaram então para o derradeiro final uma composição própria, Ouvido, de Yvo Ursini, que apesar de também prestar homenagem à Villa-Lobos, mostrava demais influências do grupo como se via em outros de seus trabalhos, como no primeiro álbum, Andarilho, e o segundo, A Noite, publicado por outro selo bacana no Brasil, o Editio Princeps, que trouxe republicações do Grupo Um e Som Nosso de Cada Dia, que inclusive já trazia o quarto ato da Sagração da Primavera de Stravinsky, Rondes Printanières, em meio a outras composições que mostrariam também os ambientes urbanos que o grupo explora em seu trabalho.
Bárbara apresentação. A atmosfera não poderia ser mais propícia, desde o uso da iluminação da sala do SESC São Carlos destacando os músicos momento a momento como nunca havia visto, comparando mesmo com peças de teatro, até uma excelência da captura do áudio e ajuste da sonorização. Pudera, a técnica de som da noite era de Felipe Julián, membro do grupo Axial, que também por aqui já passou. E vale lembrar que Ursini e Muniz Corrêa, aqui do Projeto B, também fazendo parte deste outro que considero expoente da música no país.
E o Projeto B figura ali como uns poucos grupos no país empurrando as vanguardas, trazendo o erudito ao cotidiano e o cotidiano ao erudito, em diferentes frentes, como o próprio Axial, ou Satanique Samba Trio, Cumieira e como fizeram e fazem, Hermeto, Arrigo, Mário Campos. Iniciativas ímpares, a que devemos estar atentos.
Setlist
01. Prole do Bebê nº1 - Bruxa (A Boneca de Pano); 02. Choros Nº5 "Alma Brasileira"; 03. Saudades das Selvas Brasileiras Nº1; 04. Le Sacre du Printemps (A Sagração da Primavera); 05. Cirandas Nº2 "A Condessa"; 06. Estudos para violão Nº12 e Nº8; 07. Choros Nº2 BIS 08. Ouvido.
3 comentários:
Po! É a primeira vez na história que um técnico de som é citado em matéria!
Me refiro a ser citado de forma positiva é claro.
Grande abraço proceis!
Felipe Julián
ORas, técnico de som faz parte da parada tanto quanto os demais sujeitos! É ele quem garante que todos serão ouvidos como deveriam...
Papel fundamental.
Aí o Marcelo Costa do Screm&Yell virou e disse "Procura-se Técnicos de Som":
http://screamyell.com.br/blog/2010/06/28/coluna-de-segunda-procura-se-tecnico-de-som/
Ontem no Centro Cultural São Paulo, as mesmas composições, só mudando a ordem:
01. Choros #5
02. Bruxa
03. Saudades das Selvas Brasileiras
04. A Sagração da Primavera
05. A Condessa
06. Estudos para Violão #12 e #8
07. Choros #2
BIS 08. Ouvido
Espaço interessante, o da Sala Adoniran Barbosa. Iluminação ótima, acústica boa, um público girante de umas 150-200 pessoas. Aquém da capacidade da sala (quase 700 lugares) mas a apresentação em si foi desconcertante. Ao término da quinta ou sexta faixa o público inclusive hesitou na hora de bater palmas, incerto de que a música havia de fato acabado mas, uma vez lançada, sonora foi a salva.
Depois da tentativas frustradas em Piracicaba e São Carlos, finalmente foi possível ver ao vivo o tal de "Viagens de Villa Lobos".
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