Resenha: Iara Rennó na Virada Cultural 2009


20h34. Enfim, é chegada a hora do tão aguardado show de Iara Rennó, apresentando Macunaíma Ópera Tupi, ou ainda Macunaó.Peraí.Matupi. A apresentação era uma grande incógnita, ao menos para aqueles de nós que ainda não a tinham visto. Não tanto pela qualidade do álbum, indiscutível, mas mais pela dúvida de como fariam para adaptar uma obra com tantos artistas envolvidos, com tanta diversidade de instrumentos, a um palco com equipamento e espaço tão limitados. Que fariam com a primeira, segunda, n-ésima vozes, com o violino, com o violoncelo, com o berimbal? Felizmente, a surpresa foi deveras prazerosa! Lançando mão de artifícios como samples e sintetizadores, e com arranjos completamente diferentes para diversas músicas, Iara conseguiu manter a essência do álbum, e ainda com elementos a mais. Afinal, o show não é feito só da música, é também enriquecido pelo aspecto teatral da coisa, seja com as dançarinas se apresentando em Bamba Querê,Dói Dói Dói,Valei-me e Boi, seja na performance de Iara nos diálogos de Conversa e na dança em todas as músicas.

Bem, vamos ao show propriamente dito... Que jeito melhor de começar senão com o nascimento do herói? Parafraseando o início do livro, na primeira das três passagens de texto em prosa musicadas, Iara introduz Macunaíma ao público. De começo, o vocal parece um tanto baixo, e tem-se alguns problemas com a guitarra. Ah sim, não podemos deixar de comentar a presença do grande Curumin na bateria, que teria seu próprio show no mesmo palco, algumas horas mais além. Aproveitando a deixa, fica aqui registrado uma pontinha de decepção pela não-participação de Anelis Assumpção. Que custava, ela tinha acabado de sair do palco!(Show este que, infelizmente, perdemos quase todo, em função de Arrigo Barnabé)

Destoando da ordem do álbum, vêm Jardineiro. Aqui, a família Espíndola faz uma falta tremenda nos vocais, sendo substituída por Curumin e Karina Buhr, responsável pela percussão. Ao vivo, vê-se que o teclado ganha importância, aparentemente para tapar o buraco das cordas. A partir daqui, as músicas seguem na mesma ordem, à exceção, obviamente, das não tocadas. Mandu Sara permanece bem fiel à original (Acreditar numa participação especial de Arrigo aqui seria sonhar um pouco alto), já em Conversa Iara se vira sem Tom Zé, fazendo o tio e o sobrinho nos diálogos. A percussão corporal dos Barbatuques em Quando Mingua a Luna também faz falta, mas a guitarra e o teclado preenchem muito bem a lacuna.

O lamento da cascata Naipi traz um clima mais triste e romântico, a esta altura com um vocal muito melhor do que nas primeiras faixas, e com um arranjo perfeito. Até aqui, nota-se um público aparentemente pouco familiarizado com a obra, com um ar de curiosidade, mas carente de empolgação. Bom, Bamba Querê chega para marcar a mudança no comportamento do público, com a entrada das 3 dançarinas ao palco, e o espaço limitado não as impediu de prender ainda mais a atenção do pessoal. O clima extrovertido só aumenta em Dói Dói Dói com uma batida altamente contagiante, dando o tom moderno e urbano que a obra demanda. Ao fim da faixa, Iara diz que se sente o próprio Macunaíma no trecho, muito bem lembrado, em que o herói discursa para o público no centro de São Paulo. Realmente, visto o local e a situação, a comparação fazia bastante sentido.

Hora da oração. As dançarinas voltam em Valei-me, desta vez trajadas de preto e trazendo velas, contando com as luzes do palco para ajudar no clima. O espetáculo vai se encaminhando para o fim com Boi e, no meio da faixa, a apresentação dos músicos: Guilherme Held na Guitarra, Du Moreira no teclado e sintetizadores, Daniel Gralha no trompete, Curumin na bateria, Paulo Henrique no trompete e Karina Buhr na percussão. Apresentação, aliás, feita de modo muito original, com pequenos versos rimados para cada integrante, aparentemente feitos na hora mesmo. Para o encore, Iara resolve judiar um pouquinho mais de Venceslau Pietro Pietra, voltando com Dói Dói Dói. Eu acho que Taperá cairia muito bem ao final, mas talvez tenham optado por Dói Dói Dói pelo fato de ter agradado bastante o público, na primeira vez. E, apesar das nossas tentativas, o show termina sem Na Beira do Uraricoera. É uma pena.

O espetáculo mantém o tom brasileiro do álbum (e do livro), com influências da cultura africana, indígena, nordestina e tantas outras. O resultado é uma sonoridade orgânica e natural, que cumpre muito bem a missão de extrair a musicalidade tão presente na rapsódia. Com uma obra cujas raízes estão tão fincadas na música, aliado à genialidade de Iara Rennó e à incrível habilidade da moça em reunir tantos talentos em um único projeto, seria de se estranhar que o produto não tivesse uma qualidade excepcional.

A apresentação foi inesquecível, sem dúvida, mas acho que Macunaíma Ópera Tupi deveria ser assistido antes em um teatro, com uma boa acústica, e em silêncio, para apreciar melhor todos os aspectos da obra. Com sessenta músicos no projeto, é evidente que uma retratação exata nos palcos seria inviável, mas felizmente os arranjos foram muito bem acertados, tornando o show algo totalmente diferente do álbum, mas nem por isso menos brilhante, de modo que ambos sejam completamente imperdíveis. Mas enfim, agora já podemos riscar um objetivo do nosso caderninho. Uma das metas do Programa Bluga para 2009 alcançada!

Tem mais não.

Aliás, tem sim! Confira o texto de Arrigo Barnabé no Theatro Municipal, e as impressões gerais da Edição 2009 da Virada Cultural!


Fotos: Daniel Mitsuo

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