Resenha: Aeromoças e Tenistas Russas, meninos e crescidos.


Já fazia um bom tempo que se precisava voltar a falar aqui destes camaradas. Conheci a Aeromoças e Tenistas Russas ainda no começo de suas apresentações, em 2008. Na época, já me impressionaram bastante, enquanto explorávamos novas bandas do meio dito independente de São Carlos. Hoje, três anos mais, muito mudados, nada mais justo que abordá-los novamente. E nenhum momento seria mais oportuno para fazê-lo que não na própria São Carlos quando atravessam uma turnê por dois estados, com onze shows, ao lado de uma das mais importantes bandas do cenário no país.

Quando em 2008 resenhei pela primeira vez a banda (a resenha pode ser vista aqui), eles já vinham de alguns bons shows em São Carlos, tendo passado pelos palcos do DCE-UFSCar, do CAASO e pela festa de lançamento do Mozilla Firefox 3.0, no Armazém Bar. Nesta época, tinham um repertório bastante enxuto, mas bem redondinho, com composições autorais e mesmo umas instrumentais, entremeadas por versões de músicas como Um Lugar do Caralho de Jupiter Apple e Fuscão Preto de Beto Lee até lances como Superstition e Play That Funky Music White Boy, com estas duas últimas tocadas sem vocais, só no sax. Enganavam os desavisados ao mostrar sujeitos barbados e não as comissárias das asas da Panair servindo coca-cola e muito menos o serviço no saque de uma Anna Kournikova.


Desta vez, já tendo carimbado o passaporte por Uberlândia e Uberaba, Franca e Araraquara, na noite de 23 de Março fariam mais um lance no palco do DCE-UFSCar, universidade onde surgiu a banda, o quinto show da turnê. Quem abria aquela noite eram The Baggios, duo sergipano de guitarra e bateria numa linha de blues rock a la White Stripes e Black Keys. Quem vinha na sequência eram os sujeitos do Porcas Borboletas (e a resenha desse show está aqui), com seu pós-punk oitentista bebedor dos paulistanos de vanguarda e dos clubes de esquina, já com mais de dez anos de estrada. Mas quem fechava mesmo esta Noite Fora do Eixo eram os Aeromoças e Tenistas Russas. Se para muitos quem encerra a noite é a banda principal, aqui quem fazia este papel então eram eles, donos da casa, mantendo o público vivo e ansioso até o fim.

E traziam uma tenista, não a Kournikova, mas uma Kirilenko. E faziam uns e outros voar, senão nas poltronas da primeira classe, em devaneios oníricos sem mesmo fechar os olhos.

Naquela primeira resenha sobre a AeTR, o importante era entender as influências que a banda tinha enquanto grupo de estudantes do curso superior de Imagem e Som da UFSCar. Tanto as referências musicais, das mais distintas pela própria origem de seus integrantes, quanto a abordagem diferente sobre cinema, propaganda, plástica, enfim, arte, dada pelo choque universitário, permeavam suas composições, bastante passionais neste sentido. Hoje, contudo, assomam-se a estes outros fatores, como ter botado os pés em palcos de vários cantos, dos bares mais infernais às grandes armações de festivais país afora, apresentando-se a públicos muito diferentes, desde condições de equipamento castigado e técnico de som ruins até a acústica de um teatro, tudo lado a lado com bandas das mais distintas. Assimiladas estas experiências, aliadas ao próprio tempo juntos, que lhes dá mais chances para conhecer um ao outro seja no dia-a-dia daqueles que dividem sala de aula e casa, seja na composição, no ensaio, no estúdio, no palco e nos bastidores, há um amadurecimento notável.

Hoje, saem daquela linha inicial de músicas mais atiradas, cruas, para um novo material bem trabalhado, com mais personalidade ainda, sem contudo perder energia. As muitas influências permanecem, mas convergem melhor dentro de uma mesma música, sem excessos.

No conjunto de suas composições mais recentes ainda exploram vários sentimentos, ora mais etéreos e cíclicos, como em Solarística, ora mais explosivos, como em Kirilenko. Em conversas com o grupo revelou-se muito do seu método composicional, feito em cima de jams, em que um trás um riff bacana, outro uma melodia e desta experimentação tem-se o refino do material que chega até nós. Daí as composições tão diversas, fazendo um show ir da melancolia a rebeldia em poucos minutos.


Claro, há que se lembrar que há um fio que liga estes elementos todos, criando uma identidade bastante única para o grupo. Este elo passa a ser, em suas últimas composições, a acuidade com que passam a tratar seu material mais bem acabado ao mesmo tempo em que exploram um lado pop, grande pegada de suas músicas desde um primeiro momento. Atacam com assinaturas ritmicas que marcavam o progressivo, o que é bastante inusitado ao som proposto, porém, em composições por vezes espasmódicas, mais curtas mesmo que o comum do Pop Rock. Estas composições curtas vem possivelmente como característica do trabalho feito em cima de jams, explorando certos temas, como no Jazz, a exaustão, sem as deixar pobres, muito menos desgastados. Ao final, usam da música enquanto linguagem máxima para expressar seus sentimentos ao mundo, instrumento natural. O fazem buscando certos moldes em diferentes meios, fazendo sua sonoridade rememorar a várias outras e ao mesmo tempo reverberar originalidade. E estes são os aspectos que, como outros nomes, os fazem sobressair-se a um mundo onde surgem bandas e mais bandas, facilitadas pela disseminação e democratização da tecnologia.

Em suas peças últimas este amadurecimento de suas ferramentas de composição é notável. O reflexo deste trabalho é imediato no contágio do público que passa a também cantarolar mesmo suas instrumentais, tão forte são as linhas impostas ali. Tal empolgação por parte da platéia é conseguida por poucas instrumentais. Se chamá-los de Pop Rock seria leviano apesar deste poder por conta daquelas características pouco usuais, nada mais próximo do que apontá-los como Pop Rock Progressivo.

Mas não só pelo seu trabalho direto enquanto música há esta aproximação forte com o público. Também há um trabalho forte na formação deste, através de contatos e deixando suor na estrada.

Na noite que tomamos para ilustrá-los, Aeromoças já com seus três anos fica lado a lado com gente feito o Porcas, com bem mais tempo de estrada, em turnê por onze cidades. Ao longo da turnê, ora abriam, ora fechavam pro Porcas, mas em São Carlos precisavam fechar, porque fizeram um show épico, com um setlist acertadíssimo feito para a turnê e participações especiais com direito a jam session ao final, mostrando em casa, aos amigos, onde eles chegaram. Era antes de tudo uma pequena prova de vitória. Isto tudo por um processo longo, sempre galgado, de penetração e conquista. Me lembro de uma primeira experiência longe de casa, quando iam a Brasília apresentar-se pela primeira vez num Festival, apesar de sempre estar circulando pela região de São Carlos, Araraquara, Ribeirão e afins, pra saber depois que acabou não acontecendo. Depois disso, passaram pela 4ª Semana do MACACO apresentando-se com o que viria a ser o Projeto Acusmática, fazendo trilha sonora ao vivo para o curta Regen numa parceria com a RUA. Passariam então pelo Festival Contato em mais de uma ocasião, Festival de MPB da UNESP de Ilha Solteira até o Festival Macondo Circus em Santa Maria no Rio Grande do Sil, no fim de 2009. Já entrando este ano, fariam uma empreitada forte, ao singrar o estado de São Paulo tocando em oito cidades pelo Grito Rock. Esta, assim como a turnê que acabam de atravessar, é uma possibilidade dada pela articulação forte existente hoje entre os diversos coletivos de música independente do Circuito Fora do Eixo, como comentávamos outro dia. Esta inserção neste contexto se deu muito por este esforço do grupo e proatividade, parando hoje dentro de um dos que mais cresce hoje, o Massa Coletiva, em São Carlos, figurando mesmo no portifólio de bandas que o coletivo porta, que passa a alavancar isto exponencialmente. Hoje não mais presos a São Carlos, encaram-se como profissionais, saindo às portas do mundo.

Dito isto, entremos aos pontos mais imediatos do ao vivo, fazendo o que começamos aqui fazendo, trazendo as impressões mais fiéis dos shows, relatos vivos. Lá já a alta hora como sempre estavam os sujeitos que entoam às Aeromoças e Tenistas Russas. Thiago "Hardie" Gonçalves, alternando-se em guitarra e sax, com algumas incursões aos vocais, Juliano Parreira ao baixo e alguns backing vocals, Luiz Gustavo "Hoolis" Palma nos teclados e mais backings, e Nilo Gomes na bateria. Quando em 2008 seu show tinha lá sua dúzia de músicas, apenas metade delas era própria. Agora, apresentam todas sendo suas, sinal do apreço que passam a ter por sua capacidade depois destes caminhos todos trilhados.

Abriam esta apresentação com um excerto instrumental foderoso, mostrando para aqueles que quem sabe ainda não conhecessem seu nome que não se tratava de um grupo qualquer, quando fazem mesmo o rock dispensando a guitarra em alguns momentos para inserir a sonoridade do sax na faixa Jacques Villeneuve Experience. Combinação bombástica, faz todos já de cara balançarem. Aos que conheciam, era já uma melodia impregnada na cabeça, como muitas outras, por aquele forte molde pop a que se apegam. Continuando no instrumental, mostravam uma de suas últimas composições, estreiada a nossos ouvidos no Festival Contato de 2008, Smonkey Skulls, com Hardie já com guitarra a mão. Está é mais um daqueles exemplos em que exploram vários recortes dos mais divertidos agregando-os em torno de uma linha.

Sagüís, terceira da noite, seria mais uma instrumental, não fosse o convite para a participação do MC J.Gheto fazendo versos de improviso acompanhando uma das mais frenéticas faixas da banda, das primeiras bacanudas compostas. Cantava lá ele "Vem com nóis quem puder, escuta nóis quem quiser" dando vazão aos sentimentos presos na rítmica.

Depois desta era hora de mergulhar no tempo de suas primeiras composições. Aqui num dos poucos momentos do show exploram o lirismo de letras a suas músicas, com impressões mais imediatas de suas intenções, justamente naquele primeiro ciclo de seus trabalhos. Armavam o Bang Bang, com uma mais simples, mas de letra mais esquizofrênica de todas, feito o ícone saído do cinema novo que lhe dá nome. Emendavam Samba, letra das mais icônicas, de refrões fáceis mais verdadeiros que caem a boca do povo, que os entoa a todo show, com espaço até para cantarolar de melodia dissociado do instrumental, feito o que seria muito da própria estrutura do samba que lhe dá nome.

Este excerto de letras cotidianas e irreverentes dos seus primeiros trabalhos ainda marcam muito seu repertório, deixando margem a apontar a fase como transição. Se existe um limar de material, deixando de lado composições como Ensolaradas e Desfibrila, que há muito não vejo ao vivo, ouso dizer, contudo, que isto é uma aceitação deste material, valorizar de um trabalho antigo que caiu ao gosto popular, em especial no tocante a Samba. Daí é que surge o termo, parafraseando Fred Gomes, que prova que eles fazem "música instrumental cantada". E mesmo estas músicas mudaram muito desde a época dos primeiros shows. Ganharam novos arranjos dando mais corpo a algumas, mais ritmo a outras, tornando tudo mais interessante.

Outro momento para celebrar com convidados e amigos novos surge Sex Sugestion, no que chamaram de Motel Version. Composição das mais recentes, já com uns rearranjos provavelmente feitos nessas incursões estradeiras do Grito Rock e da turnê Fora do Eixo, apontando ainda mais uma das várias participações da noite, com o Moita, do Porcas Borboletas, empunhando a guitarra enquanto Hardie fazia as vezes novamente ao sax dourado-esmalte-preto.

Já com a guitarra de volta às mãos de Hardie, traz-se mais uma de suas composições com letra, Mirella, também uma daquelas seis primeiras autorais com que se apresentaram em 2008, falando das crises do homem frente à uma mulher, temática por muito abordada na história do Rock. Na sequência, com Instrumental 1456, a idéia de música instrumental cantada é reforçada, quando no próprio título da faixa carrega-se o "instrumental" e ao mesmo tempo trata-se de uma música com letra e tudo. Isto, muito porque as vozes são usadas dentro da melodia traduzida então por baixo e guitarra, servindo também de instrumento.


Encaminhando-se para o excerto final, encerrariam sua apresentação mostrando todo seu fulgor justamente com minhas três composições preferidas. E isto muito porque são as mais bem lapidadas, resultado final de seus processos. Com Insomne, davam espaço para Jack, percussionista do Porcas, ainda com seu set de percussão bizarríssimo montado no palco, munido de latas de tinta, pedaços de metal e canos diversos, como muito visto em brincadeiras com outra banda instrumental conhecida de todos. Essa é a maturidade de que falamos. Esta faixa, se fossemos relacionar suas músicas e a metragem e cunho dos filmes, seria um curta dos mais experimentais hoje. Explora aquelas temáticas e evolui para um final arrebatador, com elementos do avant-garde.

Seguiram com Solarística, que facilmente poderia ser apontada como melhor faixa já composta pela banda. Texturas várias, melodias escolhidas a dedo, cercadas em ambiente bizarro, quase hostil, ao mesmo tempo que hipnotizante. Justamente, uma das mais aclamadas pelo público. Isso, porque dá pra sentir que é das melhores, quando põe todos a captar e emanar energias invisíveis e inconscientes, de maneira inebriante.

Fecharam tudo com uma das mais recentes músicas, Kirilenko. Levada já a estúdio, sua gravação teve todo o processo registrado aqui, com tudo feito no home studio do Massa Coletiva. Esta, vem para provar a miríade de sentimentos explorados pelos barbados do AeTR. Depois de buscar certo desespero invocando a insônia, entrar em sonhos de fato na consciência, um despertar de energia. Agitada, finalmente fazendo alusão com uma tenista, Maria Kirilenko, apontando ao mesmo tempo a beleza e a energia vibrante. Neste excerto final, se algo pode ligar as três, todas instrumentais, são as diferentes energias que se sente uma-a-uma.
Mas fecharam tudo mesmo? Depois até de saírem do palco, os pedidos foram muitos, não podendo deixar de rolar mais uma. Não um repeteco, mas um encore. Escolheram para tanto rememorar a época em que tocavam versões de músicas conhecidas, com a sua versão de Play The Funky Music White Boy. Claro, outra intenção escondida aí era poder trazer ao palco vários convidados e fazer uma jam. Jovem Palerosi em intervenções de scratchy e samples, incrementando-se depois com mais percussões do Jack. Sem parar, contudo, saíram daquele Funk para entrar na verdadeira sessão de improviso, chamando Gustavo Koshikumo, que vinha acompanhando as duas bandas pela turnê garantindo o bom som saindo dos PA, para se apossar da Tajiminha verde e cereja de Hardie enquanto ele desfilava os dedos pelo sax. Caíram nisso até no Reggae depois de quinze minutos de despudor final, com Jack chamando todos com um "Vamô Saravá!".

Ainda passariam depois de São Carlos por Campinas, Bauru, Ribeirão Preto, São Caetano e Bragança. Toda esta turnê é documentada no blog Fora do Eixo Tour. Antes de vir ao palco na nossa terça-feira daqui, já tinham aportado por São Carlos na segunda-feira, batendo ponto no programa Independência ou Marte na Rádio UFSCar junto do Porcas, falando um pouco sobre a turnê e rolando uma jam entre as duas bandas. Tudo pode ser conferido na íntegra no player abaixo.



De últimas considerações, se lá em nossa primeira resenha sobre eles se dizia que iriamos acompanhar de perto a evolução da banda, que mal começava e já vinha "com um repertório bem pensado, com material corajoso, regado a inusitados atrativos", pois bem, estivemos presentes em vários de seus momentos e aqui está sua virada, talvez um auge, que esperamos ser um primeiro. Com um público já consolidado, resta saber como irão mante-lo sem perder toda esta identidade já bem construída. Há que se lembrar que o público é mutante e apesar dele ter o nome Aeromoças e Tenistas Russas a ponta da língua, novas levas de nomes vem a pauta a toda hora, muitos deles com dinâmicas semelhantes a este grupo. Mais que isto, como estes sujeitos irão explorar esta identidade, sem deixar suas composições se renderem às demandas imediatas do público ou seu modo de composição estagnar, é o mais inquietante. Há que se conduzir tais mudanças com sensatez.


Setlist da Turnê
01. Jacques Villeneuve Experience; 02. Smonkey Skulls; 03. Sagüís; 04. Bang Bang; 05. Samba; 06. Sex Sugestion (Motel Version); 07. Mirella; 08. Instrumental 1456; 09. Insomne; 10. Solarística; 11. Kirilenko;
BIS
01. Play That Funky Music (emendando jam de reggaes e tudo!)


E mais fotos da passagem da turnê em São Carlos podem ser vistas no nosso Picasa!


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