Cobertura: Virada Cultural 2009: Anelis Assumpção, Lívia Nestrovski, Mass Ensemble e Curumin



Já acompanhamos a Virada Cultural a algum tempo, sempre maravilhados com o caráter de gigantesco festival, pela possibilidade de ver gerações de grandes nomes num mesmo dia e local, embora desconfiados da real imersão cultural ali proposta.

Contudo, este ano é a primeira vez em que fazemos a cobertura, apesar de no ano anterior, quando já havia Programa Bluga, termos deixado a cobertura para os anais da mídia convencional e um sem número de blogs.


Em 2008 vimos muitas, mas muitas atrações das mais interessantes rolando, outras perdemos, mas no final não encontramos um material realmente interessante. É quase cômico procurar por blogs relatando algo da Virada e nos depararmos apenas com compilações da programação da Virada, coisa muito bem disponibilizada já no site oficial. Difícil mesmo encontrar alguém que nos trouxesse mais do que vagas impressões pessoais, gostos e desgostos, mas sim que compilasse informações relevantes de maneira concisa, num formato decente e, sobretudo que transmitisse as sensações de assistir a um show, num jornalismo crítico. Isto, sem a pretensão de entender nossa proposta aqui como a perfeita, mas despendemos tempo e esforço para chegar a um resultado mínimo. Enfim, tentamos.

Claro que talvez muitos blogs tenham tido seu alcance diminuído, senão ofendidos, com a proposta da organização de Imprensa da Virada, feita pela Foco Jornalístico Assessoria de Imprensa. Apesar do simples acesso a seção de Imprensa direto no site oficial da Virada, com direito a milhares de fotos das edições anteriores e outras informações, "a concessão de credenciais para as áreas de acesso privilegiado é restrita à imprensa". Esta foi a resposta a nossa solicitação, ignorando quem mais publica conteúdo hoje, os blogs, especialmente material bom sobre assuntos bastante específicos como é com a (boa) música. Não vamos discutir os méritos dessa consideração aqui ou não, deixando isto para gente grande, já que tínhamos quase certeza dessa negativa, só queríamos entender como tudo iria funcionar.

De qualquer maneira, para a Virada Cultural de 2009, pensamos em fazer uma pré-seleção de material todo o material que já conhecíamos e achávamos relevante, procurando ainda pesquisar algo das centenas de nomes que passariam por lá, tarefa perto do impossível. Nisso, apontamos alguns nomes já no nosso post pré-Virada e já deixamos duas resenhas com boa quantidade de informações e setlist completo, comentando Arrigo Barnabé e Banda Sabor de Veneno, no Theatro Municipal no álbum Clara Crocodilo, e Iara Rennó, no Largo Santa Efigênia, apresentando seu Macunaíma Ópera Tupi.

Agora, além de depositar alguns comentários sobre mais alguns nomes que presenciamos, deixamos impressões mais gerais sobre a Virada, do ponto de vista organizacional. Afora os comentários ali de cima sobre a própria cobertura do evento.


Como uma postagem sobre o Arrigo Barnabé, que pode ser vista AQUI, não foi suficiente, vamos a alguns detalhes mais sobre a experiência no Theatro Municipal de São Paulo. Como no ano passado, quando quisemos ver Snegs pelo Som Nosso de Cada Dia, chegamos com larga antecedência. Contudo, uma hora e meia não foi suficiente senão para nos deixar lugares nos últimos dois andares das galerias do teatro. Possivelmente teria valido a pena ter perdido mais uma hora ali, especialmente antes da Virada dar a largada propriamente dita. Afinal, perder três horas em uma fila, o que equivaleria a perder no mínimo três outras atrações potencialmente boas em meio as centenas, é quase um sacrilégio. Teria de valer muito a pena.

Felizmente, uma das poucas atrações que valeria a pena de novo no Theatro, Egberto Gismonti, era imediatamente após o Arrigo Barnabé, deixando de lado qualquer possibilidade de ver as duas apresentações. Foi difícil escolha entre os dois nomes, mas não tanto, ponderando sobre perder horas na fila antes da brincadeira começar ou quando tudo já estava rolando. E Tom Zé que nos desculpe, adoraríamos vê-lo, mas as horas de fila nas poucas (poucas?!) 24 horas de Virada não dá. E Violeta de Outono, bom, vamos ver em casa, no Teatro Municipal de São Carlos nesta quinta!

Ainda do Municipal, é bem ridículo darem-nos o ingresso às portas do lugar, para cinco metros depois tomarem-no de nossas mãos, rasgando-o ao meio. Se era para ter uma estimativa da locação, que isso fosse feito com um simples contador de mão. Grande desperdício de papel (que seria mínimo perto do visto depois). Afora que em nenhuma das atrações que ja presenciamos dentro do Theatro, seja nesta Virada ou na passada, a lotação de 1300 e tantos lugares foi atingida. O que nos faz pensar que eles guardam alguns lugares, pra não dizer quase uma centena, bem visíveis das galerias, para convidados especiais, organização e imprensa, que acabam não usando destes (afinal, se esse realmente é o caso, o ideal era assistir atrás do palco).

E claro, falamos mal das filas do Theatro, mas de outra maneira não seria possível. Levar uma atração deste porte a qualquer dos palcos da Virada levaria a situações como qualquer das que aconteceram no Palco da Avenida São João. Toda a massa está lá, impossível de assistir com um mínimo de conforto qualquer apresentação, ou mesmo de ver mais que um ponto. E não, telões não salvam. Afora que alguns daqueles shows, em sua maioria, precisam do espaço de um teatro para serem sua percepção plena. Feito Jon Lord acompanhado da Orquestra Sinfônica Municipal. Não que ele mereça todo o bafafá feito em cima dele.

Nisso, nossa escolha recaiu em palcos menores. Isto em público e tamanho, mas obviamente não na importância de sua música. Saídos do Arrigo, dirigimo-nos então para o Largo Santa Efigênia para quem sabe pegar um poquito da apresentação de Anelis Assumpção. E, de fato, chegamos a tempo de conferir duas ou três faixas finais, mais o bis! Anelis Assumpção esta acompanhada de Maurício Pregnolatto no baixo, Bruno Buarque na bateria e Cris Scabello na guitarra, todos os três do Rockers Control que ainda bateria por ali mais tarde, mais a menina Lelena Anhaia na guitarra. Faltou só a Simone Sou que muita gente se perguntou onde estava. Como nem de longe vimos tudo, vamos deixar apenas um vídeo pra vocês conferirem.



Agora, um comentário a parte é a escolha quase inconsciente de nossa primeira parte da programação de sábado. Começando toda linha de raciocínio com Arrigo Barnabé... Pulando para Anelis Assumpção, quem é menina? Filha de Itamar Assumpção. Para quem não sabe, Itamar é um dos arranjadores de Diversões Eletrônicas, faixa maior do álbum Clara Crocodilo, de Arrigo, tendo também performando em apresentações da Banda Sabor de Veneno, inclusive na ocasião do Festival Universitário da Canção, em 1979 pela TV Cultura, com Diversões Eletrônicas. Não obstante, Anelis Assumpção é integrante do grupo DonaZica, com influências mil das mais honoráveis, passando tanto por Itamar Assumpção quanto por Arrigo, onde também encontramos Iara Rennó. Filha de Carlos Rennó - outro dos sujeitos que compuseram com Arrigo, desta vez em seu segundo álbum, Tubarões Voadores, autor de A Europa curvou-se ante o Brasil e Mirante - e de Alzira Espíndola, outra de parcerias com Arrigo e Itamar, irmã de Tetê Espíndola, que nos canta também em Clara Crocodilo. Sem contar os arranjos de Arrigo para Macunaíma Ópera Tupi. Das meninas, trata-se de um berço pouco promissor, que, ao mínimo, propiciou muito do afloramento destes trabalhos. Mas é claro que o mérito é todo delas. Felizes de nós. E viva a Vanguarda Paulista!

Enfim, já entregamos que vimos Iara Rennó. Se você não viu, está mais que na hora de ler, aqui, ó, com resenha completa do show e fotos! E no meio da platéia tanto de Anelis quanto de Iara, tínhamos uma presença ilustre, camuflada entre a multidão. Alguém notou a Zélia Duncan assistindo as meninas? Também, pudera, participações de Zélia com o DonaZica AQUI, a Anelis no DVD da Zélia AQUI.

E ali naquele palco, no intervalo das apresentações, presenciamos uma das muitas atrações de rua da Virada, com a Troupe Djembedon, com Fanta e Fadima Konatê, cantando, batucando e dançando, tudo ao mesmo tempo, ritmadas por Petit Mamady Keita. Absurda a percussão proposta ali, que vale a pena conferir o som AQUI, especialmente se você gosta de tambores, não é? Só fique ressabiado ao saber que esta iniciativa tem um dedinho do Santo Daime.

E continuando no Largo Santa Efigênia, ficamos para ouvir Lívia Nestrovski Antes de qualquer coisa, mesmo de saber que ela é filha de Arthur Nestrovski, conhecemos a garota por um de seus muitos projetos, o Grupo Cumieira, antes chamado de Banda Hermética. Ali, entre interpretações de Hermeto Pascoal e composições próprias na mesma linha, Lívia desponta fazendo vocalizações surpreendentes. Eles já estão com uma demo gravada, do mesmo material disponível no MySpace e acabaram de receber uma verba para gravar CD do Fundo de Investimento Cultural de Campinas (FICC). Outro de seus projetos é o Grupo Casaforte que ainda precisamos conferir ao vivo.

Naquela noite Lívia se apresentava com o parceiro (e também marido) Fred Ferreira na guitarra, trazendo o trabalho do Duo Jamaxim. Contudo, por mais que a voz de Lívia seja de um timbre gostoso e de uma técnica impecável, beirando o impressionante, apenas o acompanhamento da guitarra parecia pouco para empolgar o público, ficando o clima de barzinho. Claro que o fato de o som naquele palco não estar nem um pouco perto do razoável também não ajudava muito. Assim, não foram muitos que assistiram a apresentação, mas aqueles que ficaram entoavam baixinho junto com Lívia as canções ou dançavam de mansinho no embalo da voz da menina. Ser citada em diversos veículos, ou simplesmente entrando na programação da Virada como um dos novos talentos é um grande passo para a carreira de Lívia, que escolheu um belo repertório, com a MPB de todos os cantos, especialmente o mineiro, com as canções: Estrada do Sol, famosa na voz de Nara Leão; Modinha, de Tom Jobim e Vinícius de Moraes; Zelão, de Sérgio Ricardo; Jogral, de Djavan; Clube da Esquina Nº 1, de Milton Nascimento e Lô Borges do grupo e álbum homônimos, Clube da Esquina; Sonho de Marinheiro, de Fausto Nilo; Um Gosto De Sol e Nada Será Como Antes, as duas de Milton Nascimento e Ronaldo Bastos; A Sede do Peixe, também de Milton Nascimento, agora com Márcio Borges. Ainda, depois de incursionar por outros ritmos latinos com autores que desconhecíamos mas acabamos apreciando e nos perguntando que era aquilo, Lívia caiu num bom Jazz, com The Dry Cleaner From Des Moines, de Charles Mingus e Johnny Mitchell, onde faz de sua voz instrumento e como que duela com a guitarra de Fred.

Finda a apresentação, já era hora de dar uma olhada na movimentação nas ruas do centro velho de São Paulo, passeando por cada palco. Nisso, nos dirigimos para tirar a dúvida sobre que seria a tal Harpa Monumental. Chegando a Praça Ramos, ao lado do Theatro Municipal, lugar da instalação, deparamo-nos com uma peça que realmente valia seu nome, já que suas proporções eram maiores mesmo que muitos monumentos ali, com suas cordas partindo das balaustras do Theatro, até o meio da praça, cobrindo coisa de 30 metros. Era o Mass Ensemble, grupo americano de Los Angeles, cuja proposta é transformar prédios, montanhas, enfim, qualquer coisa, em gigantescos instrumentos musicais. E esta arte dessa vez foi feita com o Theatro Municipal, sendo tocada de maneira inusitada pela beldade, Andrea Brook, ora acompanhada da bateria, ora da guitarra e voz de Shawn Barry, apresentavam um som de "moderna erudição", que parou uma multidão à praça, dependurada até no parapeito do viaduto do chá, tanto à meia noite do Sábado, quanto às três da tarde de Domingo.



Para se ter idéia uma real idéia do que é o Mass Ensemble com o Earth Harp, somente presenciando. Ou assistindo a um vídeo, como este aqui. Muito do mérito ali é justamente o tamanho do instrumento, realmente impactante. Contudo, o estilo modernoso dos dois, Andrea e Shawn, também era marcante, assim como as incursões corporais solo que eles fizeram: A noite, o sujeito brinca como eu nunca antes havia visto no Brasil, com correntes com maças em chamas; e a garota performando posições impossíveis do ioga, enquanto Shawn usava pela primeira vez da gigantesca cítara elétrica ali exposta que também causava dúvida.

Voltando mais uma vez para o reduto seguro do Largo Santa Efigênia, era a hora de Curumin subir ao palco. Ele já tinha dado o ar de sua graça naquela mesma noite, tocando com Iara Rennó. Também já havíamos visto o camarada apresentando faixas de seus dois discos Japan Pop Show e Achados e Perdidos no Festival Contato, em 2008, então sabíamos que o show seria no mínimo divertido.


Claro que a fama do rapaz se fez sentida, especialmente naquele horário, quando todo canto estava intransitável. A frente do palco estava lotadíssima, parecendo mesmo a São João. Ponto para Curumin, que atingiu com seu som não só Natalie Portman, mas também as massas.


Mais uma vez acompanhado do baixo de Lucas Martins e o MPC de Marcelo Effori, Luciano Nakata Albuquerque, o Curumin, na bateria, cavaco elétrico e vocais, trouxe suas composições e mais umas: Mal Star Card; Sambajapa; Compacto; Sambito; Kyoto; Everybody loves the Sunshine; Caixa Preta; Guerreiro; Magrela Fever. Antes de mandar a última, ainda trouxe ao palco novamente para uma palhinha Anelis Assumpção, já que ela ainda estava por ali de bobeira, para depois fechar com um reggaezinho.

E atravessar as 24 horas da Virada é tão difícil quanto ser um náufrago em meio ao oceano: parar de nadar é a morte. E como não sabemos nadar, fomos para casa, os que restaram, descansar algumas horas e aproveitar melhor o Domingo, já a luz do sol do meio-dia.

Ainda esta semana, se sobrar fôlego, sai mais uma postagem, com mais alguns comentários gerais da Virada e quem sabe uma visão do show da Central Scrutinizer Band acompanhada de Ike Willis. Enquanto isto, propaganda nunca é demais, leia o texto nosso sobre o Arrigo e o outro da Iara Rennó na Virada e também veja uma reunião de fotos destas atrações no nosso Picasa. E pra acompanhar tudo mesmo, nos siga no Twitter!



Fotos: Fernanda Serra Azul (Arrigo); Ariel Martini (Anelis Assumpção, Iara Rennó e Lívia Nestrovski); Danilo Regi (Mass Ensemble); Vincent de Almeida (Curumin); Montalvo Machado (Central Scrutinizer Band e Ike Willis).

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