Relatos do Aliba #06: Avantgarde Festival, Schiphorst, Schleswig-Holstein

Durante o Elbjazz, logo após aquele tão magnífico show do Stian, fiz amizade com um ser de Kiel que me falou sobre esse tal festival. Quando ele disse que era seu festival favorito e além disso que a lendária banda kraut-rockiana Faust toca todo ano lá, como eu poderia deixar de ir? O mais interessante descobrir depois que esse pequeno festival, em sua 8ª edição, ocorre na casa de um dos fundadores Faust, o baixista Jean-Hervé Péron. Isso tudo num pequeno vilarejo com não mais que 500 habitantes, basicamente o mesmo número de visitantes no festival! Nada mais ideal para reproduzir o ambiente rural em que a banda foi criada. Por ser um festival de pequeno porte (apesar de se declarar o maior festival de artes experimentais da Europa Ocidental) e contar com um estilo musical diferente, por assim dizer, carregava um clima meio intimista, como se fosse uma imensa família reunida. Na real, não me lembro muito bem da ordem das bandas, mas vamos contar um pouco de cada uma delas.




AVANTGARDE FESTIVAL, SEXTA, 24.06.2011


Derschlaeger (AT/CH/DE) - Projeto paralelo do bateirista do Faust, Werner "Zappi" Diermaier, um dos fundadores e também atual membro da banda, assim como Péron. Como o nome diz, nesse projeto eles tocam o Schlager, que seria algo como o brega alemão, mas de uma forma diferente, junto com Noise, bem estranho. Enquanto a vocalista cantava normalmente as músicas Schlager, o resto da banda ficava produzindo sons, ruídos bem aleatórios, que às vezes chegavam a um ponto bem irritante por questões fisiológicas, mas junto com um brega que também é irritante por outras questões, ficava uma parada genial. Talvez esta seja até uma idéia para uma outra banda, onde a banda inteira toque brega enquanto alguém fica responsável pelo noise, como que "estragando" tudo.

Klaus Kinski (UK) - Banda proveniente do País de Gales, cujos integrantes em várias músicas pareciam somente fazer barulho tocando correndo pelo braço dos instrumentos sem parar. O bateirista usava algo como uma panela no chimbal e sempre tocavam com muita brutalidade. Outra coisa deles que gostaria de entender foi o que o vocalista quis dizer com a afirmação que lançou no meio da discussão sobre o Avantgarde, sobre seu papel, se precisamos dele hoje ou não. Dizia ele que "O artista deve de certa forma ser um pouco fascista." Claro, esse cara, no manuseio das palavras, impressionantemente, consegue ser pior do que eu.



2606º Fahrenheit (FR) - Instalação onde três franceses manuseavam "instrumentos" bizarros, atrás de uma divisória que os isolava do público, através da qual podíamos ver apenas as sombras dos músicos. Além das sombras, também havia um telão com vídeos já gravados sendo transmitidos em alguns momento enquanto em outros o vídeo era da captura ao vivo, de dentro do ambiente onde os músicos estavam. O pouco que conseguia se ver nisso, remetia a um ambiente industrial hostil, com máquinas bizarras e faíscas voando por toda parte. O som seria algo que uma música ambiente-noise-industrial. Se utilizar dessa imagem, segundo eles, remetia a idéia de mostrar que não existe uma separação entre o trabalhador e o artista, todos sendo capazes de criar a arte.



VED (SE) - Tocam uma música instrumental que seria algo meio minimalista, com um certo swing sueco, mas que definitivamente é hipnotizante. A banda começou como um projeto solo de um dos integrantes que diz ter sido inspirado por trilhas sonoras, rock progressivo, música eletrônica primordial e folk. Sabe-se lá como, mas o som passou de uma música ambiente-drone no ínicio para o que eles apresentaram no festival, devido a influências de trilhas sonoras de filmes de terror, surf-rock e fitas cassetes encontradas por aí (que pelo que entendi, são usadas em samples nas músicas).




AVANTGARDE FESTIVAL, SÁBADO, 25.06.2011


Majmoon (DE) - Post-rock, Post-metal, sei lá como classificar, mas normalmente tendia mais pro segundo, um pouco mais pesado. Sempre utilizavam as projeções pra contribuir com o ambiente sonoro que pretendiam criar. Também já fizeram trilhas sonoras pra dois documentários nos idos de 2007.



Passierzettel com Mushroom Brothers (DE) - No ínicio o pessoal do Passierzettel tocou por mais de quinze minutos, sem o vocalista, com os Mushroom Brothers, que eram dois amigos que tocavam berimbau de boca. Enquanto tocaram juntos, os berimbaus predominavam e a música induzia a um certo estado introspectivo de transe. Quando o vocalista entrou finalmente e os MB se foram, houve uma grande mudança: O vocalista usava diversos efeitos que ele controlava através de uma placa que estava sempre com ele presa por uma correia, assim como fazem com guitarras, baixos e afins. A forma como ele cantava e utilizava os efeitos fazia com que nada que fosse cantado pudesse ser entendido, mas parecia que havia algum tipo de mensagem escondida ali, algo que ele estivesse transmitindo inconscientemente. E isso foi assustador, ao pensar que talvez sempre sejamos controlados por algo. Hahaha!


Kakawaka (DE) - Bom, não consigo achar a origem do ser, mas atualmente reside em Berlin e desconfio que seja de algum país do leste europeu. Puro noise, como está em seu site: "i am kakawaka. this is my homepage. i make noise." Simples assim. Ele subiu ao palco, lotado de efeitos, com um traje bizarríssimo e seu instrumento era um garfo que de alguma forma ele conseguiu conectar a um cabo para que passasse por todos seus efeitos, fazendo diversos experimentos com esse garfo. Em outro momento, no dia seguinte, no espaço entre alguns shows ele passeou completamente vendado pela área externa, onde o pessoal se reunia pra comer, beber e conversar, nisso ia trombando nas pessoas e nas coisas e com um cabo que estava conectado a um mini-amplificador que carregava, tentava captar o som daquilo em que trombava.



Faust (DE) - Provavelmente o momento mais esperado do festival, já que todos estavam ali assistindo ao show. Até as crianças que mal viam os shows foram ver e tiveram seu lugar na frente reservado, afinal não atrapalhavam a visão de ninguém e caso não ficassem lá não conseguiriam ver nada. Nesse show eles tocaram muitas das composições do álbum Something Dirty que foi lançado agora em 2011. Executaram composições como Tell The Bitch To Go Home e a homônima ao álbum, Something Dirty. Também houve o momento onde o baixista largou o instrumento e foi lançar lampadas dentro de um tonel de latão, que depois seria atacado com uma serra pelo bateirista. Sem comentar a placa de metal usada como prato no set da bateria. Enquanto rolava a apresentação um pintor ficou no fundo desenhando sobre um painel.






Stadtfisch & Xyramat (DE) - Música ambiente onde Xyramat cuidava da parte dos samples enquanto Stadtfisch ficava produzindo ruídos enquanto tocava guitarra. Tudo ao mesmo tempo em que um vídeo era passado e a música se encaixava como trilha sonora perfeita. No final também contaram com a participação de uma saxofonista louca.



Somnambule (DE) - Banda que como o nome já diz, tem uma conexão com o mundo dos sonhos. Seria algo como uma música ambiente dos sonhos, porém nem sempre os sonhos são felizes, assim o visual que apresentavam mostravam já esse lado mais obscuro. Enquanto um músico revezava entre samples e guitarra, outro entre baixo e um instrumento eletrônico que não sei o nome, a vocalista utilizava correntes e pratos em alguns momentos. Vale a pena dar uma ouvida na hora de durmir, aqui.





AVANTGARDE FESTIVAL, DOMINGO, 26.06.2011


Doubleganger e convidados (IT/NO) - Dois membros da banda Doubleganger convidaram o guitarrista dos também italianos Elton Junk e o bateirista do DimHunGer. Foi bem interessante pois a apresentação inteira foi um grande improviso, não só da banda, como também da platéia, pois sempre a vocalista ia pro meio do público e forçava alguém a começar a cantar ou fazer algum som. Durante toda a apresentação o som parecia ser proveniente das profundezas viscerais do corpo, trazendo uma brutalidade totalmente desconexa com a mente.



Fall Out Trio (HR) - Banda croata que toca algo que seria um metal balcânico. não há muito o que falar, mas a primeira vez que ouvi algo do gênero.


Toys 'R Noise (FR) - Fizeram uma instalação no meio do espaço reservado ao público em um dos palcos. Ali meteram milhões de brinquedos, aparelhos eletrônicos e também instrumentos danificados e incompletos (o baixo por exemplo só possuía 2 cordas). Com isso ficaram fazendo seu noise interruptamente por cerca de uma hora. Muitos não aguentaram a parada toda e foram embora logo. Esse teoricamente foi o final do festival.





AGORA, O VERDADEIRO FINAL.


Depois de todas as bandas ja terem tocado o que restava era ficar ali trocando uma idéia com o pessoal. Nisso acabei me sentando na mesa onde estavam o pessoal do Doubleganger e quem havia tocado com eles, Junto também estavam os noruegueses. Depois de um certo tempo, um dos noruegueses pegou sua garrafa de cerveja e começou a batucar na mesa com a vocalista do Doubleganger cantando bem baixo a frase "Make some noise!". Dentro de pouquíssimos minutos a mesa inteira já tinha entrado no clima e as pessoas contribuiam com o que podiam, garrafas, vozes, palmas, batuques na mesa, o que quer que fosse. Rapidamente todos que ainda estavam por lá também foram se juntando à essa grande improvisação. Até os meios para se criar os improvisos sonoros foram improvisados e ali estavam, mais de 100 pessoas contribuindo com algum som ou ruído, enquanto mais uma centena observava. Nisso ficamos até que o anfitrião do lugar pedir para pararmos, já que o festival tinha um acordo verbal com os vizinhos sobre horário de término do festival. Mas, alguém teve a brilhante idéia de irmos para os geradores de energia eólica, afinal lá não teria nenhum vizinho para reclamar. Nisso umas 40 pessoas acabaram indo para lá e alguns se aventuraram em experimentos sonoros com o próprio cata-vento por um certo tempo. Esse final, que foi algo realmente inacreditável...




Otávio Medeiros, o Aliba, se ocupa com festivais pela Europa e nas horas vagas estuda na Alemanha. Este é mais um relato compilado de seu Diário de Viagem. Veja mais fotos das andanças pela Europa lá no Picasa dele e nesse Flickr!


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