Cobertura: MacunaÓpera no Florestan Fernandes e Entrevista com Iara Rennó


Sob risco de redundância, falamos novamente sobre o espetáculo Macunaíma Ópera Tupi, de Iara Rennó. A primeira vez em que tentamos transmitir o que é este espetáculo foi numa de nossas resenhas na Virada Cultural. Agora, não poderíamos deixar de conferir mais uma vez o show e deixar aqui algumas impressões, já que ele aconteceria em nosso quintal, São Carlos, no aconchegante Teatro Florestan Fernandes, ambiente um tanto melhor do que num palco aberto em São Paulo.

Este show é substancialmente diferente do visto na ocasião da Virada. Claro que em teatros, sempre há total atenção voltada à apresentação, sem as distrações do convívio social, mas as comparações não param por aí. Não era a primeira vez que pisávamos naquele espaço, mas é a primeira resenha dentro do Florestan. Assim, é fácil reparar que todo o jogo de iluminação do teatro garante um clima único ao espetáculo e aqui, apesar dos pormenores, tínhamos um som mais limpo, já que na Virada todas as apresentações no Palco Santa Efigênia sofreram com o som. Desta vez havia toda uma preocupação também com introduções sampleadas selecionadas para algumas das músicas, dando nova interpretação a estas. E, especialmente para incursão das dançarinas, duas negras das mais altas e de ginga hipnotizante, havia espaço para brincar.

Em contrapartida, assistir ao espetáculo sentado, sem poder dançar ao ritmo enlevante, era um martírio para muitos. A solução para isto se apresentou ao final do show, em Boi, em que o pessoal foi conclamado a frente do palco para uma ciranda improvisada, como bem manda o figurino.

O setlist do espetáculo segue abaixo. Deixamos algumas impressões mais, embora a bem da verdade se possa resumir tudo em três palavras: Lindo, lindo, lindo!

01. Macunaíma; 02. Jardineiro; 03. Mandu Sarará; 04. Nina Macunaíma; 05. Conversa; 06.Quando Mingua a Luna; 07. Bamba Querê; 08. Dói Dói Dói; 09. Valei-me; 10. Taperá.

BIS

Dói Dói Dói; Macunaíma.

Aqui, mais uma vez ficavam as dúvidas do por que da escolha desta seqüência de faixas, tanto para os shows quanto para o álbum em si, que não seguia a linha cronológica do livro. Essas dúvidas seriam respondidas mais tarde, claro. Aqui, abria o show como sempre Macunaíma, musicando o trecho que inicia o livro. Talvez seja apenas uma impressão dos rearranjos para transpor a música para o ao vivo, mas desta vez parecia que a faixa lembrava em muito a versão presente no primeiro álbum do DonaZica, Composição.

Outros momentos marcantes da noite estão em Nina Macunaíma, com a performance de Iara, que vai caindo ao chão conforme a música transcorre, até se deitar completamente, dormindo ao final do embalar de sua própria cantiga. Os muitos e merecidos aplausos que se seguiram a acordam, indevidamente.

E muito do MacunaÓpera é isso, uma interpretação encenada da obra escrita de Mário de Andrade, além da obra musicada. Se em Nina Macunaíma Iara dorme feito nosso herói, em Conversa ela chega mesmo a descer do palco e interagir com o público, mendigando um cigarrinho. Iara encarna Macunaíma e performa sem parar ao longo de todo o show, em posições das mais inusitadas, esbanjando sensualidade, sensualidade esta que transborda por todo o livro, mote para quase toda ação do personagem. Este lance teatral da obra só é reforçado com a entrada das dançarinas Janette Santiago e Luli Ramos em Bamba Querê, empolgando mais ainda a platéia, passando timidamente também a fazer parte do espetáculo, ajudando a Iara no refrãoVamo Saravá!”.

Depois de entoar Exu, a macumba continua com Dói Dói Dói. Se para os músicos ali tocando a faixa a empolgação é grande, para a platéia não há duvidas de que aquele é o ponto alto do show. E é muito bem justificada esta sensação, já que também no livro é o grande momento de Macunaíma, em que ele é apadrinhado por Exu e tem sua vingança plena, fazendo-se maior que um gigante, surrando-o. Nada mais justo a música de maior exaltação ser também a realização do herói.

Já encaminhando o fim do show, justamente com as faixas que encerram o álbum, primeiro com Valei-me, onde Janette e Luli trajadas de preto, com véu e portando velas, caracterizam a oração que é a canção, e depois com Taperá, onde a convite de Iara, aquele pessoal que dizíamos estar se segurando vai à frente do palco para dançar o Bumba-meu-boi. Já no que seria a última faixa, Iara faz aquela graça de sempre apresentando todos os integrantes da banda em rimas improvisadas. Eram seus comparsas de sempre, Guilherme Held (guitarra), Paulo “Manapê” Henrique (trombone), Daniel “Jiguê” Gralha (trompete), Karina Buhr (percussão e voz), Curumin (bateria, percussão, samples e voz) e Du Moreira (sintetizadores).

Com o pessoal já embalado na dança de roda, as esperanças de ver rolando Na Beira do Uraricoera ao vivo se esvaiam. Mas era pedido justamente algo mais grooveado para o momento, e vinha Dói Dói Dói, surrando o gigante novamente, com a seguinte dedicatória de Iara “Essa vai pra você, Michael! Just beat it!”

Para terminar do jeito que começou, o show encerra com Macunaíma. Não exatamente do mesmo jeito, mas numa outra versão, mais rápida, um remix. Justamente como nosso personagem, que sai do mato à cidade e o leitor observa sua mudança, nitidamente.

E além das impressões, não poderíamos deixar de ter algumas de nossas dúvidas a respeito da obra musicada respondidas. Nisso, tentamos uma entrevista com a pequena Iara, a grande responsável por isso tudo. Conseguimos fazer todas as perguntas que tínhamos em mente, sanando boa parte das nossas curiosidades, apesar de outras terem sido criadas.

ENTREVISTA

Programa Bluga: Existe uma razão para a ordem das faixas no álbum não seguir a seqüência narrativa do livro? Talvez, para criar alguns momentos dentro do álbum?

Iara Rennó: Sim, tudo isto foi muito pensado.

Desde que eu comecei a fazer shows em minha vida, esta é uma preocupação. Lá no começo da DonaZica, ficávamos Andréia [Dias] e eu passando diversas seqüências de músicas. Por exemplo, esta seqüência do show [MacunaÓpera], já mudei algumas vezes, mas faz tempo que não mudo mais. Com uma certa ordem as músicas você traz o público para dentro de uma história que também está colocada ali, no show.

Para o álbum, não me lembro da justificativa do lugar de cada música, mas eu enxerguei que daquele modo criava um melhor andamento para ele. Quando falei para o Moreno [Veloso] que Nina Macunaíma seria a terceira faixa, ele falou: “Mas terceira faixa?! Já bota o povo pra dormir logo na terceira faixa?!” Acontece que se fosse colocada depois, iria quebrar muito o andamento do álbum.

PB: Outra grande dúvida é que nos parece que o estilo escolhido para cada faixa tem uma relação muito próxima com o momento do livro. Existe de fato esse pensamento, ou foi algo mais livre?

Iara: Não sei te precisar isso, agora, assim... Eu li muito o livro, li textos, enfim, mergulhei na obra.

As pessoas às vezes me perguntam se peguei alguma referência ou, por exemplo, na cantiga de Bumba-meu-boi, se fui buscar como era aquela melodia e a resposta é não. Eu evitei, inclusive, toda essa parte de pesquisa folclórica. Evitei isso no momento da composição, porque não queria fazer o que já estava feito, eu queria recriar aquilo e não fazer a primeira sugestão a que aquilo remete.

Naturalmente, isto confluiu com o que o contexto do livro me fazia sentir. Toda instrumentação, produção, pessoas que eu chamei para participar, arranjos, acho que também confluíram nisto, mas de uma forma um pouco mais sutil.

Em Mandu Sarará, por exemplo, pensei mais ou menos assim: Quero fazer um tambor de Coco de Zambê. O Coco de Zambê é um coco de uma cidadezinha do Rio Grande do Norte, que tem dois tambores, uma lata de tinta que fica repicando, uma instrumentação muito específica. Eu queria reproduzir aquilo e falei pra Simone (Sou): “Vamos fazer um Coco de Zambê aqui.” Foi uma coisa bastante específica! E com isso, um arranjo de cordas, para fazer uma coisa chocante! Essas características vêm daquela coisa do livro, dessa questão da mata e da cidade, quando ele [Macunaíma] chega e as coisas são máquinas, desse choque cultural.

PB: Muita gente participa deste trabalho. Muito provavelmente você pensou em pessoas específicas para produzir, para arranjar junto com você, para participar dentro da gravação... É por aí a história mesmo?

Iara: Foi, foi muito minucioso o trabalho do disco. Foram sessenta músicos participando, e foi muito fluido, muito orgânico, muito legal. Noventa e oito por cento das pessoas que eu queria que participassem participaram!

PB: É muita gente boa em um projeto só! Como você conseguiu reunir tanta gente boa assim?

Iara: Com a maioria das pessoas eu já tinha algum contato, de amizade mesmo ou por ter feito algum trabalho em conjunto. Eu acho que a obra pedia isto, essa grande reunião de pessoas, essa diversidade de espécies.

PB: Agora falando um pouco de DonaZica, soubemos que faz um mês, talvez menos, que vocês fizeram um show tocando alguns arranjos de Ataulfo Alves, é isso?

Iara: Sim, a gente fez um show de reinauguração da Sala Funarte em São Paulo, que já havíamos feito em Dezembro de 2007 com a participação do Mautner [Jorge] e do Melodia[Luiz]. Como este ano é o centenário do Ataulfo, se a gente não fizesse mais esse show, seria uma grande falha do sistema. E o show está bom e ficando ainda melhor!

PB: Então DonaZica tem planos de continuar tocando?

Iara: Sim, sim, DonaZica deve fazer algumas coisas no segundo semestre, depois dessa pausa. Vai rolar no SESC Pompéia, no projeto de 10 anos do Prato da Casa. Temos pelo menos uns três convites.

PB: Mas uma reunião apenas no sentido de shows ou de um trabalho novo mesmo?

Iara: Shows, shows.

PB: Voltando ao seu trabalho, conferimos as músicas que saíram no Música de Bolso e ficamos curiosos. Você tem um trabalho novo saindo afora Macunaíma?

Iara: Tenho dois trabalhos novos. Fora DonaZica e o Macunaíma, tem mais duas Iaras diferentes pra sair aí! Um é este que você viu, do Música de Bolso. Inclusive, vou fazer um show dia 09 de Julho, lá no Casa de Francisca. É praticamente acústico: Sou eu, sentada, tocando violão, mais cello, baixo acústico, bem no estilo dos vídeos no Música de Bolso... é aquela formação. Eles me chamaram pra fazer algo, aí resolvi fazer aquelas músicas, tirar este projetinho da gaveta e montar um show. Já fiz um, e agora vou fazer este segundo. E essas músicas são o projeto de um disco que devo fazer provavelmente no ano que vem. Agora não dá que já eu estou fazendo o outro.

Agora o que vai rolar neste disco agora, traremos mais além, aqui mesmo atualizando a postagem. Aguardem!

Desta noite também saíram alguns prospectos bem interessantes circundando Karina Buhr, a respeito do Comadre Fulozinha, para quem sabe aportar aqui neste segundo semestre, de repente pelo MACACO - Movimento Artístico e Cultural do CAASO. As meninas da banda estão com um álbum novo, lançado este ano, Vou Voltar Andando, e seria providencial dar as caras por aqui.

Há de se render homenagens ao pessoal da organização, responsáveis por terem trazido a MacunaÓpera para cá, em especial a CEC, Coordenadoria de Eventos Culturais da UFSCar. Sempre é espantoso o fato de eventos deste calibre serem totalmente de graça! Contudo, apesar desta benevolência e da relevância do trabalho é mais espantoso ainda que não se tenha o teatro lotado, abarrotado, e filas afora. Felizmente era um teatro quase lotado e com certeza todos ali irão procurar conhecer este pedacinho de nossa música e também de nossa literatura. Porque este é um dos muitos aspectos interessantes deste trabalho, popularizar, aproximar o público do livro, que passa então a ser muito mais interessante feito toda adaptação da literatura e quadrinhos ao cinema, que faz o mundo se voltar a obra original também.


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Texto: Felipe Adachi e Vanderlei

Fotos: Vincent de Almeida

Um comentário:

Felipe Gollnick disse...

e aí pessoal, tudo bem?
é o seguinte, sou responsável pela organização dos links do site da Agência Alavanca - http://www.alavanca.art.br/ - e a gente precisa saber se há um e-mail para contato direto da Agência com o blog.

se houver, favor mandar para felipe.gollnick[@]gmail.com.

muito agradecido! e sucesso com o blog!
abraços