Nota do Editor: Em tempos da 3ª Edição do Festival Contato, já fazendo aí um ano em que esta resenha foi escrita, mas não pública aqui no blog, já que feita especialmente para a RUA - Revista Universitária de Audiovisual, fica aqui o registro da apresentação de Jards em São Carlos também, tentando rememorar o então 2ºContato.
Na tarde do sábado 11 de Outubro, São Carlos sendo regada com chuva e vento, justificando-se a fama de “cidade do clima”, o 2º Festival Contato inicia seus tão esperados shows, desta vez tendo como palco a Praça do Mercado. Após uma série de apresentações excepcionais, chegamos ao gran finale do primeiro dia, com o grande Jards Anet da Silva, mais conhecido pelo público como Jards Macalé ou ainda, para os mais íntimos, Macao.
Por volta das 21hrs. e 40mins., o músico se faz à mostra acompanhado de sua banda, para um público ainda com muita energia, não obstante a chuva forte, que caiu durante boa parte das atrações finais. Agora o aguaceiro ia se afinando, reduzido a um chuvisco, como que para acalmar os ânimos de um dia turbulento.
No centro do palco principal, a estrela do dia, com seu boné branco e óculos de aro grosso, camisa de sarja amarela entremeando uma camiseta do super-homem, o homem abre o show apenas no violão, com a faixa intitulada Farinha do Desprezo, primeira do álbum de 1972, Jards Macalé. Projeções um tanto quanto psicodélicas faziam a primeira aparição do dia, no pano branco que funcionava como um telão, ao fundo do cenário.
Com galinhas mutantes, cães e robôs ao fundo, Macalé encerrava a primeira faixa, para continuar com Boneca Semiótica, do álbum Aprender a Nadar, de 1974. Surge a bateria, conduzida por Julinho Moreira, abrindo espaço para Jorge Helder no baixo e Cristóvão Bastos nos teclados. Ainda a metade da música, entra Dirceu Leite em grande estilo com o saxofone tomando a frente, acompanhado pelo resto da banda e por trechos de Alice no País das Maravilhas, para continuar com o tom surreal das projeções.
Saxofone dá lugar à flauta transversal, junto ao violão, para começar Se Você Quiser, composta por Xico Chaves, presente no último álbum, intitulado Macao. Macalé pede a ajuda do público para cantar o refrão “Se você quiser/Eu canto/Se você quiser/Eu danço”, dizendo até um “Vai, dá pra falar qualquer coisa!”,talvez pelo fato de que o público não estava familiarizado com a, fácil, letra. Destaque para o violão de Macalé que, com o vigor das braçadas, parece tirar à força a beleza do instrumento.
O clarinete fazia a sua estréia no show nas mãos de Dirceu Leite com o ritmo agitado de Negra Melodia, que “vem do sangue do coração”, parceria de Jards com Waly Salomão, presente no álbum Real Grandeza, de 2005. Com sua letra metade em inglês e metade em português e pitadas de Reggae, a música convida a esquecer dos problemas e dançar. A chuva continuava caindo rala, e Macalé grita “Dançando na chuva!”. Ironicamente, atrás dele o telão trazia três figuras em capas de chuva amarela, dançando na chuva. Timing perfeito.
O show segue com Mal Secreto, também da autoria de Jards Macalé e Waly Salomão, com direito a improvisações magníficas e várias quebras de ritmo, mostrando a experiência e competência dos músicos, que conseguem fazer com que a música ao vivo seja ainda mais interessante do que a já excelente versão em estúdio, gravada no álbum Jards Macalé. A música termina com um solo espetacular de Dirceu Leite no clarinete, sustentado pelos demais da banda ao fundo.
Uma paradinha entre as músicas e Macalé conversa um pouco com o público, comentando: “Anos atrás, lá no Rio de Janeiro, inventaram que eu morri!”. Retomando ao show com Falam de Mim, de Noel Rosa, Éden Silva e Aníbal Silva. O início é marcado com voz e violão, entrando mais tarde a bateria, o baixo, o teclado e mais uma vez a flauta transversal, que se destaca no solo para encerrar a música.
Pedindo licença para tocar um Rock, Jards Macalé mostra no violão Blue Suede Shoes, imortalizada na voz de Elvis Presley, de autoria de Carl Perkins. “Elvis gravou, Jimi Hendrix gravou, eu também gravei”. Com o rei do rock e seus passinhos ao fundo no telão, Macalé mostra uma versão com um toque brasileiro especial, numa tocada mais rápida, apenas com voz e violão, enganchando um “Oh yeah, babe!” ao final. Na projeção, elefantes içados por balões marcariam o começo de Revendo Amigos, com sua conotação política, tendo inclusive sua letra mudada várias vezes graças à censura do período militar. Num ritmo mais agitado, Dirceu Leite toca uma flauta de pífanos, marcando com seu agudo característico a faixa.
Seguindo com mais das letras engajadas da época de ditadura, vem Vapor Barato, passando sua mensagem o mais direto quanto era possível, composta por Waly Salomão e transformada em um verdadeiro hino na voz de Gal Costa. A voz escorrida, ao estilo que hoje Rodrigo Amarante canta, provavelmente aprendido dos Malditos como Jards, garantia o tom melancólico da faixa, dando licença para a bateria e o teclado tomarem a frente. Encerramento com a flauta transversal e Jards Macalé apresenta a sua versão de Corcovado, do maestro Tom Jobim, trazendo o clarinete de volta para contracenar com o violão, resultando em uma apresentação que ficará na memória por muito tempo.
O tijucano relembra sua cidade natal com Rei de Janeiro, parceria dele com Glauber Rocha, faixa do álbum O q eu faço é música, enquanto espaçonaves e Marilyn Monroe dividiam o espaço nas projeções. Já se encaminhando para o final do show, mais uma clássica, de Baden Powell e Vinicius de Moraes, Consolação, que se estenderia para a devida apresentação dos músicos, com solos fantásticos de baixo, bateria, teclado, e saxofone. Por último, Jards Macalé brinca no violão para terminar a faixa que parecia ser a última.
“Saúde, boa noite!” Macalé retoma o ritmo alegre de Negra Melodia, e ao fim levanta e acende um cigarro. Claro que não terminaria ali. Volta a sentar no banquinho, pega o seu violão para tocar a última música, Anjo Exterminado, do álbum Aprender a Nadar, do jeito que começou, apenas ele e seu violão. Agradecendo ao público, Macalé encerra o primeiro dia de shows do Festival Contato de modo sublime, mostrando o melhor do MPB de modo memorável. E que venha o próximo Contato!
No Programa Bluga também é possível ler o que mais rolou nos shows do Festival, com a cobertura completa do primeiro e segundo dias.
Felipe de Pontes Adachi é graduando em Engenharia Mecatrônica pela USP de São Carlos e escreve para o blog Programa Bluga.
Fotos: Vincent de Almeida
Nenhum comentário:
Postar um comentário