Chega mais uma vez à Região Central do Estado de São Paulo o maior festival integrado da América Latina, o Grito Rock. O evento é uma realização dos circuitos Fora do Eixo e Toque no Brasil, redes de produção cultural que fomentam a circulação de músicos pelo Brasil e países vizinhos. A cidade de São Carlos, através do Massa Coletiva, foi contemplada este ano pela terceira vez com o festival, contando com dois dias de programação. Já a cidade de Araraquara, graças a organização do coletivo de artistas e produtores culturais Colméia Cultural, se integrou ao festival pela primeira vez. Cabe então nos determos um pouco nesse inédito e carnavalesco Grito Rock 2010 Araraquara.
Não houve desculpas para marcar toca no domingo de carnaval. A Kruppa: Arquitetura, Arte e Cultura, em forma de parceria, com boa cerveja e no ponto, abrigou em seu belo espaço a programação recheada mesmo sendo de apenas um dia. A Colméia Cultural, além de receber as bandas, ofereceu ao público uma instalação artística, feira de troca e intervenções de teatro e circo que também rolaram em São Carlos, com destaque para a peça Trato Duvidoso, muito bem escrita e representada por Dado Marcondes e Guito Brito.
Foram então cinco bandas. Aeromoças e Tenistas Russas (São Carlos/SP) e Almighty Devildogs (Bauru/SP), precedidos respectivamente por Ruído Fino (Araraquara/SP) e Dom Amaro (Ribeirão Preto/SP), fizeram excelentes apresentações. O agressivo Almighty Devildogs traz um frenético e atordoante surf punk ligado no modo “foda-se”, mas às vezes com guitarras viajantes e toques eletrônicos espaciais de um integrante mascarado outrora abduzido pelos alienígenas paranaenses do Trilöbit. Já a banda são carlense realmente impressionou. Um conciso caldeirão jazz fusion sob o primoroso saxofone de Thiago “Hard” nas instrumentais e progressivas faixas Insomne e Jacques Villeneuve Experience. A mistura de AeTR não se contenta com pouco, suas receitas variadas trazem como ingredientes um autêntico e próprio rock'n'roll e um pouco de blues, mas principalmente o funk e o soul, assim como o nosso samba também, sem fazer miscelânea, numa confluência coerente de sonoridades. Saguis expressa muito bem esse cardápio, a composição instrumental acid jazz com samba agita o público já familiarizado com seu tema marcante. Smonkey Skulls também agita e ainda traz uma pitada de surf para completar o tempero. Com Samba!, o Aeromoças, além de tudo, mostra que sabe encaixar uma boa letra. Foi a apresentação de mais alto nível.
No entanto contávamos com a presença do grande destaque do Grito Rock na região. Trata-se do Nevilton, banda recente que colocou no mapa do circuito a cidade de Umuarama, no Paraná. Lançaram esse ano seu primeiro EP oficial intitulado Pressuposto, produto de um projeto estético lapidado em apenas 3 anos de estrada. Nevilton é promessa de sucesso em 2010 e foi apontado pelo sítio Scream & Yell como o segundo melhor show de 2009 atrás apenas do Móveis Coloniais de Acaju, que preenche o palco com nove músicos e metais de sopro diversos, enquanto nossos amigos conquistaram a classificação com um show de apenas três músicos. Nevilton de Alencar, de 23 anos, membro que dá nome ao grupo, e Tiago “Lobão” voltaram ao Brasil após uma experiência de alguns meses em Los Angeles, nos Estados Unidos, e trouxeram na bagagem um primor a mais para vestir de um refinado pop as letras em português, mantendo um certo caráter brasileiro. Nesse contexto, foram convidados para encerrar as apresentações na Estação Cultura de São Carlos na terça-feira e o festival em Araraquara no domingo.
No aconchegante espaço do Kruppa, o vocalista e guitarrista Nevilton, ou apenas Ton, e Lobão, com seu baixo, não pouparam energia. Acompanhados pelo novo baterista Eder Chapolla, os dois a frente se lançam em respeitáveis saltos ensaiados mostrando que não é necessário um grande palco para um bom show. E isso eles realmente sabem fazer, tudo bem encaixado, vocais na medida, presença de palco, interação com o público, limpeza e primor na execução dos instrumentos. Somente o forte calor da noite de carnaval da Morada do Sol foi capaz de impedir que a totalidade dos presentes dançassem com a empolgante e envolvente apresentação. Calor exaustivo que não afetou certos integrantes do Colméia Cultural responsáveis por uma saltitante performance cuja inspiração nos movimentos dos sapos pareceu para Ton a melhor explicação. O Colméia mostra que faz e se diverte, e Nevilton topa a brincadeira. Os demais, que haviam se contentado apenas em cantar a pegajosa letra recém aprendida de A Máscara, contagiaram-se pela animação conduzida pelas faixas Vitorioso Adormecido, O Morno e Pressuposto, presentes no EP.
Na terça-feira pudemos ver os jovens de Umuarama no palco novamente. O consolidado Grito Rock são carlense proporcionou uma boa estrutura de palco, som e iluminação, além do histórico e peculiar cenário da gari da estação ferroviária de São Carlos com trens em movimento e arrebatadores apitos. Houve mostra de vídeo, intervenções artísticas e discotecagem, além de festas no bar Armazém com Juca Culatra e Power Trio (Belém/PA) e mais do que há de bom. Completando a sequência de mais de dez bandas em dois dia na estação, dentre elas Eu Serei a Hiena (São Paulo/SP) e Os Rélpis (Araraquara/SP), sobe ao palco a banda Nevilton por volta das 21h30. O público era diverso e estava tímido, mas parecia que logo a apresentação agradaria a todos que aos poucos se aproximavam a convite do simpático vocalista. Já na segunda música, Bolo Espacial, transparece o detalhamento da produção do espetáculo nos movimentos empolgantes bem ensaiados e no cuidadoso backing vocal de Lobão. E, obtendo resposta do público, sentiu-se a vontade Ton para descer do palco através de uma inusitada acrobacia cuja elasticidade, após puxar ritmo de carnaval na platéia, lhe serviu para retornar ao palco por meio de uma cambalhota sem soltar a guitarra! Tudo pronto para, covardemente, grudar em nossas mentes a melodia da música Pressuposto, que já entoavam os espectadores antes de sua execução.
Mas o que de fato faz Nevilton além de um show impecável e animado com melodias viciantes? Eles citam algumas referências, dentre elas Los Hermanos. E sim, isso é visível, mas ao som que fazem, tal comparação é simplória, pois Nevilton é uma confluência sutil de uma linguagem ampla que se construiu no rock, principalmente pelos Beatles, fonte da qual se servem mesmo que por algumas goladas, mas o fazem diretamente, aproveitando-a sem intermédios. Ton solta no vocal dissonâncias agudas inspiradas em Stephen Malkmus, embora lembre Nando Reis em outros momentos. Entoa letras que geralmente não tratam de outra coisa senão de relacionamentos pessoais a qual todo jovem já provavelmente passou, e que, descritos de modo genérico, faz com que a maioria dos ouvintes se identifique. A sonoridade das palavras é boa.
Com grande domínio, a banda arriscou um forró e foi correspondida prontamente, a interação com o público foi excelente. Em A Máscara, estavam todos com as mãos para o alto batendo palmas, momento em que o trabalho de iluminação e toda a estrutura de palco fez diferença. E a coisa só cresceu ainda mais. Na sequência, Tempos de Maracujá trouxe os audaciosos agudos do vocal de Ton, além de um belo e empolgante gritaço! Com Me Espere, Menino Lobo, para finalizar com tudo, um solo de guitarra virtuoso, porém nada gratuito. Não contente, o agitado Ton destruiu na bateria que Chapolla abandonou para saltar loucamente na platéia ao fechar a grande apresentação com louvor e glória. Esforços não foram poupados para isso! O encerramento do show foi coisa linda de Deus, deixando todos na pilha pra a festa no Armazém que viria a seguir.
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