Ensaio: Do Grito Rock São Carlos - O Massa Coletiva

E eis que o verdadeiro início do ano tem seu lugar, justamente após o Carnaval. Dentro da música, mergulhando no Rock, em São Carlos e tantas outras cidades essa indolência também começa a se firmar, com mais um Grito Rock chutando as portas de 2009.

Na ocasião do Grito Rock São Carlos em 2008 ainda não tínhamos Programa Bluga, mas acompanhamos de perto alguns dos nomes que lá tocaram, como Fenícia, Stranhos Azuis e Plano Próximo. Nesse ritmo um novo nome ganhou forma e tomou para si a organização desta edição: o Massa Coletiva.

Como o próprio nome diz trata-se de um coletivo, visando levar a frente iniciativas que já existiam dentro da cidade principalmente no cenário musical. Agora estão re-unidos todo um pessoal conhecido da Rádio UFSCar, programa Independência ou Marte e de bandas como o já mencionado Plano Próximo e o Malditas Ovelhas! (que a bem da verdade são figuras que se repetem nesses meios). Ponderando os números, ao lado de outros nomes, estes mesmos sujeitos se relacionavam antes sem constituir o grupo de agora, o que já havia nos proporcionado grandes momentos, como o Festival Contato, diversas noites de quarta do chamado Palquinho Maluco na UFSCar e todo mês a Independência ou Marte - a Festa.

O principal aspecto do Massa Coletiva que o torna interessantíssimo é apoiar-se na economia solidária. Isto possibilita grande desprendimento das amarras do capital, priorizando o trabalho do músico unicamente enquanto música. A despreocupação com lucro em si, que toca a questão do cachê das bandas (que vestem verdadeiramente a camisa do coletivismo) leva a festas baratas, senão de graça, o que inegavelmente atrai o público como mel às moscas. Isso também aliado a certa independência financeira, já que o grupo tem acesso a equipamento de som e a alguns locais sem grande ônus, viabilizando facilmente os eventos.

Entretanto, justamente esta vantagem leva a uma disparidade para com as possibilidades deste núcleo. Ao conseguir a atenção de um público maior, seja com palquinhos abertos na Federal ou grandes shows gratuitos na Praça do Mercado, seja com festas quase de graça no Armazém Bar, inicialmente pensa-se que a questão seja criar uma audiência e realmente fidelizá-la, criando um vínculo com a agenda das pessoas, apresentando material um tanto quanto acessível e eclético, ainda dentro do Rock. Isso lembrando que em se tratando do estilo majoritariamente o número de ouvintes é pequeno no nosso país regado a calor. Contudo, transparece uma grande preocupação com o mercado, que tolhe não o músico, mas a música.

Enquanto faz-se ampla divulgação do som das bandas, enfim, do nome dos músicos, o que ocorre com a música em si é seu enclausuramento dentro das formas já conhecidas. Em outros termos, com absurda incidência, o que passa pelos palcos nada mais é do que bandas reprodutoras de estilos já consagrados. Há sim uma nova roupagem, mas que apenas camufla o desgastado, uma casca um tanto quanto fina de tinta sobre paredes com poeira.

O Programa Bluga está perto de fazer um ano e neste espaço de tempo tencionamos escrever sobre bandas que julgamos interessantes na cidade, que faziam um som relevante. Entretanto, a importância da maioria dos sons aparenta ser meramente histórica, especialmente no tocante as bandas covers (algumas delas excelentes, que se conste bem). Poucas são as bandas que excursionam por novos estilos, e quando o fazem estes estilos são apenas o resgate de velhas escolas, mesmo dentro do rock autoral.

Há também aquelas, poucas, que promovem uma inversão dos valores de refinamento musical, com som mais simplista. Embora tenham todo seu mérito, afinal há vertentes e mais vertentes explorando seriamente estas questões, não se aproveita este novo entender para transpor as barreiras da música. De maneira semelhante se há um estudo do old school não se vislumbra o próximo passo. O que fica é uma incômoda sensação de que não se produz nada novo, apenas se cultua as gerações passadas, o que é péssimo em se tratando do Rock, que deveria ser carregado do espírito inovador.

O que se vê é sempre mais do mesmo, com as bandas apresentando sempre o que o público quer e espera, ou gosta. Claro que falta o caráter inquiridor do ouvinte. O que seria ideal é que este mesmo público exigisse mais, que ele buscasse uma experiência completamente nova, o que faria dos músicos uma vanguarda de retaguarda. Isso é um tanto quanto improvável de acontecer, então seria melhor esperar dos músicos que atacassem o inexplorado, caracterizando como vanguarda, tentando estar à frente de seu tempo, afinal eles são os artistas.

Esse questionamento tem sua resposta então justamente no Grito Rock São Carlos de 2009. Com dois dias de shows, uma segunda-feira com cinco bandas e a terça de carnaval com dez, correu-se os mais variados estilos. Desses números, pouca ou nenhuma era a inovação. É bem verdade que uns e outros do pessoal ali apresentaram material que vai de encontro ao que está em voga lá fora, ao mesmo tempo em que metade das bandas tinha alto gabarito e material de boníssima qualidade, mas mesmo assim recaiam no papel de ambíguas mantenedoras de uma tradição não-secularizada.

Claro que se pode pensar no entender da música pelas bandas, que fazem o som que elas gostam e isso é um tanto grande do espírito roqueiro. Isso seria não se preocupar com a reação do público, mercados e afins, mas transpor sentimento à música. Entretanto, este fazer-gosto deveria ser diferente de fazer igual ao som que elas gostam de ouvir. Deveria ser fazer o som que elas gostam de tocar, ou mais profundamente, o som que espelha os músicos enquanto pessoas, enquanto pensamento.

Embora o espaço do Massa Coletiva se mostre o ideal para explorar as possibilidades aqui referidas, ainda resta a vaidade em necessitar da grande platéia, que parece completamente injustificada. Em um cenário otimista, a idéia de formar público primeiro, para depois introduzir este material faz certo sentido, mas vai contra um intuito maior para a coisa. Talvez a questão seja outra ainda, encarando-o como uma incubadora de bandas ou talvez um kibutz musical, proporcionando às bandas sua subsistência. Cria-se inclusive uma corrente entre coletivos de propósito semelhante, que pelo intercâmbio humano, propiciam a sobrevivência das bandas dentro do meio deles, com um circuito de festivais, num mercado independente auto-sustentável.

De toda maneira, do lado das bandas ainda há outro aspecto, onde toda esta máquina mostra-se coerente, afinal, o trabalho das bandas é ganhar fãs. Talvez a justificativa para este caráter do Massa Coletiva seja então o número de músicos envolvidos, que entendem ser este o processo relevante. Apontemos então o papel de divulgar material novo a outros, que não às bandas e seus respectivos coletivos: O problema é que não vislumbro tão facilmente estes outros, enquanto interessados nessa perspectiva.


PS: Claro que gostamos do som que rolou no Grito Rock. Logo mais, traremos uma pequena cobertura com impressões, setlists das bandas que valeram a pena, ao invés desse ensaio pretensiosamente inquisidor. Já é possível conferir uma seleção de foto no Picasa do Programa Bluga, aqui e aqui também.

3 comentários:

O Visitante disse...

Vanderlei, MUITO interessante e válida a sua proposta de discutir estética entre as bandas... mas não acha que seria o caso de dar nome aos bois??

A falta de originalidade do rock não seria de responsabilidade das próprias bandas??? o que o Massa Coletiva teria a ver com esse processo? será que eles deixaram as bandas mais criativas e inovadoras de lado??

É quente essa discussão, tamo aí!! e parabéns pelo blog!!

Abraços dos VISITANTES!
Ah, valeu pelas fotos =) se tiver mais algumas manda pra contato.visitantes@gmail.com . grato!


Cardelli - vocal e guitarra ( o carinha de mascara)

Vanderlei Reis disse...

Claro que o grande mal reside no sem número de bandas que insistem em repetir o tal mais-do-mesmo.

Contudo, a crítica foi ao Massa, já que eles poderiam abordar o outro lado, a minoria que tenta escapar da tentação que são as bebidas do Velho Mundo e tentam brindar com pinga nacional, ou aqueles que deixaram o "On the Rocks" e partiram pra drinks mais ousados.

Estes sujeitos brigados com o mundo existem sim. Um exemplo bem próximo do Massa é o próprio Malditas Ovelhas!, que está intimamente ligado a organização do coletivo.

É justamente o que você disse, eles teriam despreterido as bandas mais criativas e inovadoras. Mas isso tem toda uma razão de ser, afinal háo fundo comercial, sem o qual ninguém se sustenta, nem as bandas, nem o Massa Coletiva.

Enfim, obrigado pelos comentários e sempre que quiseres discutir, estamos aí! Nos encontramos nas mesas de bar.

Quanto às fotos, você viu as do Picasa, não? Temos mais algumas, nada muuuito aproveitável, assim que tiver um tempinho te encaminho!

Abraços cordiais

Cardelli disse...

Fala Vanderlei,

Não concordo com sua crítica tímida ao Massa Coletiva. Você reclama de falta de originalidade, e posta uma matéria sobre uma banda cover. Meio incoerente, não?

Reclamar não leva a nada, tente abrir os ouvidos e se integrar nessa grande corrente que está surgindo. Temos um poder de mudança concreta que anos atrás era só um sonho! O importante é caminhar e agregar. Segregar nesse nível da cena, só em casos extremos com discriminação.

é o que eu penso..

Abraços e obrigado mesmo quanto às fotos cara, fico no aguardo.

boa sorte com o Bluga. Pense em agregar. só depende de nós!