Onde? Armazém Bar, São Carlos.
Quando? Dia 29 de Março de 2008.
Depois de uma tarde embalada ao som de sertanejo e pagode e outras coisas do demo, regada a muito saquê e vodka nos drinks da bela moça cujo nome não recordo, carne ad infinitum e um belo tutu de feijão, partimos para o Armazém Bar, a fim de prestigiar a banda Senhor X e seu tributo ao Pink Floyd.
23h18: Devidamente estacionados e parapetados, dirigimo-nos ao Armazém.Era a primeira visita ao local, que apesar de conhecido há muito, sempre imaginei ser um grande galpão. Nada. Escada, balcão, lobby, salão, bar à direita, sala com mesas à esquerda, banheiros ao fundo.
23h30: O local começou a encher, com todos na espera por ouvir um bom som.
Pouco me incomodou saber que lá não havia aquela bebida amarela, cujo nome vem dos nórdicos, em latas, afinal, muito me interessou a prática promovida lá: “Não tenho mesa...”, disse eu; “Sem problema!” replicou o bartender com alargadores na orelha e camisa xadrez (gente fina, por sinal). Garrafas na mão direita, copo americano na esquerda, mandando ver, em pé, no centro do salão, na convergência das caixas de som.
Com a presença de mulheres bonitas no local, fiquei feliz em conhecer um lugar onde se toca rock e que abriga o sexo feminino em São Carlos. Mas também fiquei angustiado por saber que há anos ele existe e nunca fora freqüentado por mim.
12h09: Os integrantes da banda começam a popular o palco. Pára o som ambiente. Tensão no ar.
Péééeum!!!
In the Flesh inicia promovendo o que seria uma apresentação fenomenal. O primeiro detalhe observado, ainda do centro da sala e bloqueado pelos transeuntes, é o olhar fixo, quase preocupado, da vocalista Carla Viana. “If you wanna find out whats behind these cold eyes / Youll just have to blow your way through this disguise.” HELL YEAH !
Sem pausa, a conhecida introdução dos tijolos na parede, executada pelos hábeis Betos, empolga a platéia convidando-nos a bradar para a professora deixar as crianças em paz. Kudos para os backvocals (ou seria playback?) no refrão, lembrando realmente as crianças do álbum, pois afinal, somos apenas os tijolos para a parede e para a guitarra muitíssimo limpa de Beto Leoneti.
Neste ponto deu para sentir a falta de um jogo estereofônico, que seria o azeite dessa pizza deliciosa que estava indo para o forno.
Terminadas as partes de Another Brick on the Wall, para o nosso delírio, a banda soltou os cachorros* em Dogs. “You’ve got to be crazy” para tocá-la inteira, e eles tocaram. Mal sabia eu o que nos aguardava pelo restante da noite.
Momentos de tensão, com a introdução suave da trilha ainda não identificada por nós. Luzes. Os braços da Carla vão ao alto bradando “Shine on you crazy diamond”. Impossível não notar aqui os braços ligeiramente torneados da vocalista.
Um ligeiro barulho de caixa registradora denuncia uma das músicas mais aguardadas da noite, Money, o que foi erroneamente denotado por nós, enquanto Speak to me e Breathe iniciavam. Embalados na tranquilidade e no ritmo que quase remetia às ondas do mar, curtimos as faixas, numa brecha pro baterista começar a desossar o seu chimbal*, em On the Run, e então fomos abruptamente interrompidos por tique-taques, e a introdução de Time, com a bateria precisa de Wellington Ruvieri na introdução. Leoneti assumindo os vocais impressionou com a entonação e a verossimilhança – e novamente um solo limpíssimo, o que viria a ser repetido várias vezes ao longo do show.
“The Great Gig”, na verdade estava acontecendo na minha frente e não nos céus. Carla impressiona – ainda mais - com sua habilidade ao cantar (e qual seria a palavra correta para aquele som?) essa grande canção. Muito emocionante. O que foi viva e enfaticamente comentado pela mulher ao meu lado “Foi lindo pra caralho!”.
Nessa altura, estávamos quase cara a cara com a banda.
Mais caixa registradora. Era Money finalmente! Uma das coisas que mais me agrada no Floyd é a maneira como as músicas nos embalam. É só fechar os olhos e você está em outro canto qualquer, pirando nas notas bem colocadas.
Antes de irmos ao show, fizemos, claro, nossa lição de casa. Praticamente virgens em questão de Senhor X, procuramos no YouTube coisas da banda. As notas que se seguiram eram conhecidas já. Us us us us us us us, And them them them them them them them. And after all we’re just ordinary men… God only knows, it’s not what we would choose to do ! Forward he cried... E aqui é onde eu gozo. Essa passagem é demais, e fora muito bem replicada no bar da avenida Sete de Setembro.
Sem percebermos, a banda continou nonstop até o fim de Dark Side of the Moon, tocando Any Colour You Like, Brain Damage e Eclipse. Sem grandes comentários aqui, impressionante como todo o show.
Retomando Shine on You Crazy Diamond, a banda emendou uma sequência de músicas com um grau altíssimo de comoção e envolvimento do público. Foram “Oooh, how I Wish you were here, we’re just two lost souls swimming in a fish bowl, year after year”, “Hey You, standing in the road, always doing what you’re told, would you help me ?”, e novamente In the Flesh para abrir espaço para o quase-hino, Confortably Numb.
E o grand finale, mostrando todo o entrosamento da banda, e as habilidades vocais de todos os Betos, Run Like Hell foi performado com a mesma empolgação do jogo de vozes original.
E pausa prum café, uma corrida ao toilette, uma respirada e duas águas. Desejando ouvir mais um pouco de Floyd e SE DEUS QUISESSE, Interstellar Overdrive, nos posicionamos de fronte ao palco preparados pra mais um quêzinho dos Senhores.
Burn, do Purple rolava ao fundo enquanto a banda retomava suas posições, e wham, pára o playback e eles seguem tocando a mesma faixa. Provável manobra maquiavélicamente arquitetada pela banda para conquistar esse público e muito bem utilizada... IS BURN!
Passando obviamente para a segunda parte do show, ou segundo show, a banda prossegue com mais rock clássico, tocando You shook me All night long, do AC/DC, se o palco tivesse mais espaço tenho certeza que o guitarrista sairia pulando pelo palco do mesmo modo de Angus Young.
Indo alguns anos antes, beijamos o céu com Hendrix e Purple Haze. A essa altura, podemos notar a vocalista muito mais solta, talvez por não estar mais no clima de Floyd, ou talvez por estar mesmo mais tranquila. Mostrando o lado performático da banda, com caretas, olhares peculiares e gestos.
“I won’t get to get what i’m after”, The Seeker de The Who, altamente empolgante, levou-nos a mais uma sessão de headbangin’ nervoso e mais sede por rock do bom.
Intermission, para elogiar o rapaz da mesa do som, grande Henrique, parabéns pelo trabalho, e uma grande oportunidade para ouvir a voz da nossa efêmera musa que canta pra caralho.
E “um som diferente”, como explanado pela própria vocalista anuncia a música seguinte. Um misto de funk com... algo diferente. A voz entoando palavras abrasileiradas, demorou para cair a ficha e entender que a música estava em português. Era Oito da própria banda. A faixa agradou muito e deixou um gostinho de quero mais.
Silêncio. “Toca raul !” gritou um infeliz no fundo do bar. Terceira ou quarta vez, se contabilizei corretamente. A resposta veio em grande tom. Preparada para momentos como tal, creio eu, a banda solta uma versão mais pesada de Metamorfose Ambulante, do grande Raul Seixas. DEMAIS ! o arranjo ficou perfeito. Eu até ouviria mais Raul se fosse assim. “Essa é pro cara que ficou pedindo ‘toca raul’”, HÁ, toma!
Mostrando que o público ainda lembra do velho rock do Creedence, Proud Mary rolou com direito a cantar o refrão com a banda. “Rolling, rolling, rolling on the river!”
E a Carla pergunta: O que vocês querem ouvir agora? “Mars Volta !” gritamos nós, “Janis !” grita outro. “Que tal um Jethro Tull ?” ela pergunta, capisciosamente. “TOCA AQUALUNG !”. Não é que tocaram? “Sitting on a park bench” Execução foda e o vocal, mesmo feminino, encaixou no arranjo de uma maneira estupenda.
“E agora? Que tal um Beatles?”. Segue “Helter Skelter”. É impressionante como ficaram bons os arranjos das músicas e a voz da Carla encaixou nesses covers.
Um pouco de Led Zeppelin, não podia faltar. “Good times bad times” e seus riffs de baixo contagiaram o público já descrecente da casa.
Mais uma mudança abrupta no ritmo do Armazém, já batendo as 3:20 da matina, nova supresa quando a banda encaixa O Vira, do Secos & Molhados, originalmente performado por Ney Matogrosso. Os mais empolgados (tentei um pouco, mas estava impedido), dançaram o vira conforme manda a música, senhoritas vieram próximas ao palco virar homem e lobisomem.
Quem assiste o seriado House, e/ou conhece The Who, ficou instigado pela música seguinte, Baba O’Riley. Presença de palco da banda, encarnando os sentimentos contidos nas letras.
Findada a faixa anterior, a banda leva um ritmo de samba muito divertido e letras improvisadas para divertir o público enquanto Leoneti afina uma guitarra peculiarmente pequena.
Alternative metal à caminho, apesar de não ser grande fã desse estilo, Aerials é uma boa faixa com um arranjo interessante que ficou delicioso na voz da Senhora X. (um adendo: nós somos fãs declarados da Madam X, de Bellingham). Teve direito até a cantar junto “Aerials, in the sky !”.
Mais uma pausa. Ao longo do show pude perceber uma presença de uma moça, peculiarmente jovem no Armazém. Viemos a saber que se chama Lorena, é filha da Vocalista, tem 13 anos e manda muito bem no baixo. Ao lado da infante, a banda mandou Roadhouse Blues, The Doors. Destaque realmente pra jovem que apesar de parecer tensa no começo, mandou muito nessa faixa.
Neste momento entra em cena a quem eu classifiquei como chato da noite. Sem mais comentários por ameaças do mesmo. E os senhores anunciam a saideira.
Visto de longe, o setlist da banda parecia ter um Metallica, e eu, já há tempos ouvinte do Hammett e do Hetfield, fiquei entusiasmado, mas com o pé atrás duvidando que eles fossem mesmo tocar.
Som de cítara no sintetizador do Beto, notas estranhas não pareciam com nada conhecido, mas tinham o mesmo tom de Wherever I may roam. Continuaram estranhas. Beto pára. Carla tira um sarro. Beto reflete e retoma as notas.
Nem ouvi a Carla cantar essa. Tanto tempo sem ouvir Metallica, tanto tempo sem ouvir alguém tocar ao vivo, me empolguei e cantei junto a última música da noite do começo ao fim.
Quatro da matina. Satisfeitos. Roucos. E loucos para ouvir mais do Senhor X. Essa foi a sensação que ficou da noite. Kudos para as horas de prazer auditivo proporcionada e pelas longas horas dispendidas preparando o palco. Podemos dizer que os Senhores são versáteis e cobrem, muito bem, uma gama interessante de períodos do rock nacional e internacional. Mas eu ainda quero ouvir Interstellar Overdrive.
*Nota do Editor: Impressionantemente os dois “críticos” desse show acabaram por pura coincidência usando quase as mesmas expressões. Depois dizem que consciência universal não existe...